O LIVRO DOS
ESPÍRITOS. PARTE QUARTA. ESPERANÇAS E CONSOLAÇÕES. CAPÍTULO II. PENALIDADES E
PRAZERES FUTUROS. PARAÍSO, INFERNO E PURGATÓRIO.
As penas e os gozos são inerentes ao grau de
perfeição do Espírito. Cada um traz em si mesmo o principio de sua própria
felicidade ou infelicidade. E como eles estão por toda parte, nenhum lugar
circunscrito ou fechado se destina a uns ou a outros. Quanto aos Espíritos
encarnados, são mais ou menos felizes ou infelizes segundo o grau de
evolução do mundo que habitam.
O inferno e o paraíso não existem como os seres
humanos os representam.
Não são mais do que figuras
alegóricas. Os Espíritos felizes e infelizes estão por toda parte.
Entretanto, como já o foi dito também, os Espíritos da mesma ordem
se reúnem por simpatia. Mas podem reunir-se onde quiserem, quando perfeitos.
A localização absoluta dos lugares de
penas e de recompensas só existe na imaginação dos seres humanos. Provém da sua
tendência de materializar e circunscrever as coisas cuja natureza
infinita não podem compreender.
O que se deve entender
por purgatório, são dores
físicas e morais: é o tempo da expiação. É quase sempre na Terra que
fazemos o nosso purgatório e que Deus nos faz expiar as nossas faltas.
Aquilo que o ser humano
chama purgatório é também uma figura pela qual se deve entender, não
algum lugar determinado, mas o estado dos Espíritos imperfeitos que estão em
expiação até a purificação completa que deve elevá-los ao plano dos Espíritos
felizes. Operando-se essa purificação nas diversas encarnações, o purgatório
consiste nas provas da vida corpórea.
A explicação de que os
Espíritos que revelam superioridade por sua linguagem tenham respondido a
pessoas bastante sérias, a respeito do inferno e do purgatório, de acordo com
as ideias vulgarmente admitidas. É que eles falam uma linguagem que possa ser
compreendida pelas pessoas que os interrogam. Quando essas pessoas estão
muito imbuídas de certas ideias, eles não querem chocá-las muito
rudemente, para não ferir as suas convicções. Se um Espírito fosse dizer,
sem precauções oratórias, a um muçulmano, que Maomé não era um profeta,
seria muito mal recebido.
A explicação de que os
Espíritos interrogados sobre a sua situação tenham respondido que sofriam as
torturas do inferno ou do purgatório, é.
Quando eles são inferiores e não estão
completamente desmaterializados, conservam uma parte de suas ideias
terrenas e traduzem as suas impressões pelos termos que lhes são
familiares. Encontram-se num meio que não lhes permite sondar o futuro
senão de maneira deficiente. Essa é a causa por que em geral os Espíritos
errantes, ou recentemente libertados, falam como teriam feito se
estivessem na vida carnal. Inferno pode traduzir-se por uma vida de
provas extremamente penosas, com a incerteza de
melhora; purgatório, por uma vida também de provas, mas com a
consciência de um futuro melhor. Quando sofremos uma grande dor, não dizemos
que sofremos como um danado. Não são mais que palavras, sempre em sentido
figurado.
Alma penada é uma alma errante e sofredora, incerta do
seu futuro, à qual podemos proporcionar um alívio que frequentemente ela
solicita ao vir comunicar-se convosco.
A palavra Céu geralmente
é pensamento do ser humano, ser que
seja um lugar como os Campos Elísios dos antigos, onde todos os bons
Espíritos estão aglomerados e confundidos, sem outra preocupação que a de
gozar na eternidade uma felicidade passiva. Não. É o espaço universal; são
os planetas, as estrelas e todos os mundos superiores em que os Espíritos
gozam de todas as suas faculdades, sem as atribulações da vida material
nem as angústias inerentes à inferioridade.
Sobre o pronunciamento de
alguns Espíritos que disseram habitar o quarto, o quinto céu etc., quer dizer que céu habitam, porque tendemos a ideia
de muitos céus sobrepostos como os andares de uma casa; então eles
respondem de acordo com a nossa linguagem. Mas para eles as palavras “quarto,
quinto céu” exprimem diferentes graus de purificação e, por conseguinte de
felicidade. É exatamente como quando se pergunta a um Espírito se
ele está no inferno. Se for infeliz dirá que sim, porque para
ele inferno é sinônimo de sofrimento; mas ele sabe muito bem que
não se trata de uma fornalha. Um pagão nos responderia que estava no
Tártaro.
Comentário
de Kardec: Acontece
o mesmo com outras expressões análogas, tais como as de cidade das flores,
cidade dos eleitos, segunda ou terceira esfera etc., que não são mais do que
alegorias empregadas por certos Espíritos seja como figuras, seja por
ignorância da realidade das coisas e mesmo das mais simples noções científicas.
Segundo a ideia restrita que outrora
se fazia dos lugares de penas e de recompensas, e, sobretudo de acordo com a
opinião de que a Terra era o centro do Universo, que o céu formava uma abóbada
na qual havia uma região de estrelas, colocava-se o céu no alto
e o inferno em baixo. Dai as expressões: subir ao céu, estar no mais
alto dos céus, ser precipitado no inferno. Hoje que a Ciência demonstrou que a
Terra não é mais do que um dos menores mundos entre tantos milhões de outros, e
sem importância especial; que traçou a história da sua formação e descreveu a
sua constituição, provando que o espaço é infinito, de maneira que não há nem
alto nem baixo no Universo, faz-se necessário renunciar a colocar o céu acima
das nuvens e o inferno nos lugares baixos. Quanto ao purgatório, nenhum lugar
lhe havia sido marcado. Estava reservado ao Espiritismo dar sobre todas essas
coisas a mais racional explicação, a mais grandiosa e ao mesmo tempo a mais
consoladora para a Humanidade. Assim, podemos dizer que trazemos em nós mesmos
o nosso inferno e o nosso paraíso e que encontramos o nosso purgatório em nossa
encarnação, em nossas vidas corpóreas ou físicas.
A explicação das palavras
do Cristo: “Meu reino não é deste mundo”, é que o Cristo falou em sentido figurado. Queria
dizer que não reina senão sobre os corações puros e desinteressados. Ele
está em todos os lugares em que domine o amor do bem, mas os seres humanos,
ávidos das coisas deste mundo e ligados aos bens da Terra, não estão com
ele.
O reino do bem poderá um
dia realizar-se na Terra quando,
entre os Espíritos que a vêm habitar, os bons superarem os maus. Então
eles farão reinar o amor e a justiça, que são a fonte do bem e da
felicidade. São pelo progresso moral e pela prática das leis de Deus que o
ser humano atrairá para a Terra os bons Espíritos e afastará os maus. Mas
os maus só a deixarão quando o ser tiver banido daqui o orgulho e o
egoísmo.
A transformação da Humanidade foi predita e chegamos
a esse momento em que todos os seres humanos progressistas estão se
apressando. Ela se realizará pela encarnação de Espíritos melhores, que
constituirão sobre a Terra uma nova geração. Então os Espíritos dos maus,
que a morte ceifa diariamente, e todos os que tendem a deter a marcha das
coisas serão excluídos, porque estariam deslocados entre os seres de bem,
cuja felicidade perturbariam. Irão para mundos novos, menos adiantados,
cumprir missões penosas, nas quais poderão trabalhar pelo seu
próprio adiantamento ao mesmo tempo que trabalharão para o adiantamento de
seus irmãos ainda mais atrasados. E no ser humano que veio à Terra
em condições semelhantes, trazendo em si os germes de suas paixões e os
traços de sua inferioridade primitiva, a figura não menos sublime
do pecado original. Considerado dessa maneira, o pecado original se
refere à natureza ainda imperfeita do ser que só é responsável por si
mesmo e por suas próprias faltas, e não pelas dos seus pais.
Nós
todos, seres de fé e de boa vontade, trabalhemos, portanto, com zelo e com
coragem na grande obra da regeneração, porque colheremos centuplicado o
grão que tivermos semeado. Infelizes dos que fecham os olhos à luz, pois preparam
para si mesmos longos séculos de trevas e de decepções. Infelizes dos que
colocam todas as suas alegrias nos bens deste mundo, porque sofrerão mais
privações que os gozos que tenham tido. Infelizes, sobretudo dos
egoístas, porque não encontrarão ninguém para ajudá-los a carregar o fardo
das suas misérias.
BIBLIOGRAFIA: O LIVRO DOS ESPÍRITOS.
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