O SONO E OS SONHOS.
O Espírito encarnado não permanece voluntariamente
no envoltório corporal.
É
como perguntar se o prisioneiro está satisfeito sob as chaves. O Espírito
encarnado aspira incessantemente à libertação, e quanto mais grosseiro é o
envoltório, mais deseja ver-se desembaraçado.
Durante o sono, a alma não repousa como o corpo.
O
Espírito jamais fica inativo. Durante o sono, os liames que o unem ao
corpo se afrouxam e o corpo não necessita do Espírito. Então, ele percorre
o espaço e entra em relação mais direta com os outros Espíritos.
Podemos julgar da liberdade do Espírito durante o
sono
pelos
sonhos. Devemos saber que, quando o corpo repousa, o Espírito dispõe de
mais faculdades que no estado de vigília. Tem a lembrança do passado e, às
vezes, a previsão do futuro; adquire mais poder e pode entrar
em comunicação com os outros espíritos, seja deste mundo, seja de
outro.
Frequentemente
dizemos: “Tive um sonho bizarro, um sonho horrível, mas que não tem nenhuma
verossimilhança”. Enganamo-nos. É quase sempre uma lembrança de lugares e
de coisas que vimos ou que veremos numa outra existência ou em outra
ocasião. O corpo estando adormecido, o Espírito trata de quebrar as suas
cadeias para investigar no passado ou no futuro.
Pobres
seres humanos que somos, que conhecemos tão pouco dos mais ordinários
fenômenos da vida! Acreditamos sermos muito sábios, e as coisas mais
vulgares nos embaraçam. A esta pergunta de todas as crianças: “O que é que
fazemos quando dormimos; o que são os sonhos?”, ficamos sem resposta.
O
sono liberta parcialmente a alma do corpo. Quando o ser humano dorme, momentaneamente
se encontra no estado em que estará de maneira permanente após a morte. Os
Espíritos que logo se desprendem da matéria, ao morrerem, tiveram sonhos
inteligentes. Esses Espíritos, quando dormem, procuram a sociedade dos que
lhes são superiores: viajam, conversam e se instruem com eles; trabalham
mesmo em obras que encontram concluídas, ao morrer. Destes fatos devemos
aprender, uma vez mais, a não ter medo da morte, pois morremos todos os
dias, segundo a expressão de um santo Espírito. Isto para os Espíritos elevados;
pois a massa dos seres humanos que com a morte, devem permanecer longas
horas nessa perturbação, nessa incerteza de que lhes têm falado, vão seja
a mundos inferiores à Terra, onde antigas afeições os chamam, seja à
procura de prazeres talvez ainda mais baixos do que possuíam aqui; vão
beber doutrinas ainda mais vis, mais ignóbeis, mais nocivas do que as que
professavam entre nós. E o que engendra a simpatia na Terra não é outra
coisa senão o fato de nos sentirmos, ao acordar, ligados pelo coração
àqueles com quem acabamos de passar oito ou nove horas de felicidade ou de
prazer. O que explica também as antipatias invencíveis é que sentimos, no
fundo do coração, que essas pessoas têm uma consciência diversa da nossa,
porque as conhecemos sem jamais as ter visto. E ainda o que explica a
indiferença, pois não procuramos fazer novos amigos, quando sabemos ter os
que nos amam e nos querem. Numa palavra: o sono influi mais do que pensamos,
sobre a nossa vida.
Por
efeito do sono, os Espíritos encarnados estão sempre em relação com o
mundo dos Espíritos, e é isso o que faz que os Espíritos
superiores consintam, sem muita repulsa, em encarnar-se entre nós. Deus
quis que durante o seu contato com o vício pudessem eles retemperar-se na
fonte do bem, para não falirem, eles que vinham instruir os outros. O sono
é a porta que Deus lhes abriu para o contato com os seus amigos do céu; é
o recreio após o trabalho, enquanto esperam o grande livramento, a
libertação final que deve restituí-los ao seu verdadeiro meio.
O
sonho é a lembrança do que o nosso Espírito viu durante o sono;
mas observemos que nem sempre sonhamos, porque nem sempre nos lembramos
daquilo que vimos ou de tudo o que vimos. Isso porque não temos a nossa
alma em todo o nosso desenvolvimento; frequentemente não nos resta mais do
que a lembrança da perturbação que acompanha a nossa partida e a nossa
volta, a que se junta a lembrança do que fizemos ou do que nos preocupa no
estado de vigília. Sem isto, como podemos explicar esses sonhos absurdos a
que estamos sujeitos, tanto os mais sábios quanto os mais simples? Os maus
Espíritos também se servem dos sonhos, para atormentar as almas fracas e
pusilânimes.
De
resto, veremos dentro em pouco desenvolver-se uma outra espécie de sonhos; uma
espécie tão antiga como a que conhecemos, mas que ignoramos. O sonho de
Joana, o sonho de Jacó, o sonho dos profetas judeus e de alguns indivíduos
indianos: esse sonho é a lembrança da alma inteiramente liberta do corpo,
a recordação dessa segunda vida de que há pouco nos foi falado.
Procuremos
distinguir bem essas duas espécies de sonhos, entre aqueles de que nos
lembramos; sem isso, cairíamos em contradições e em erros que seriam
funestos para a nossa fé.
Comentário de Kardec: Os sonhos são o produto da
emancipação da alma, que se torna mais independente pela suspensão da vida
ativa e de relação. Daí uma espécie de clarividência indefinida, que se
estende aos lugares os mais distantes ou que jamais se viu, e algumas vezes
mesmo a outros mundos. Daí também a lembrança que retraça na memória os
acontecimentos verificados na existência presente ou nas existências
anteriores. A extravagância das imagens referentes ao que se passa ou
se passou em mundos desconhecidos entremeadas de coisas do mundo atual
formam esses conjuntos bizarros e confusos que parecem não ter senso nem nexo.
A
incoerência dos sonhos ainda se explica pelas lacunas decorrentes da lembrança
incompleta do que nos apareceu no sonho. Tal como um relato ao qual se tivessem
truncado frases ou partes de frases ao acaso: os fragmentos restantes sendo
reunidos, perderiam toda significação racionai.
Nem sempre não nos recordamos dos sonhos, porque o Espírito no sono, ele recobra um pouco de
sua liberdade e se comunica com os que lhe são caros, seja neste ou em
outros mundos. Mas como o corpo é de matéria pesada e grosseira,
dificilmente conserva as impressões recebidas pelo Espírito, mesmo porque
o Espírito não as percebeu pelos órgãos do corpo.
Devemos pensar da significação atribuída aos sonhos,
que eles são verdadeiros no
sentido de apresentarem imagens reais para o Espírito, mas que, frequentemente,
não têm relação com o que se passa na vida corpórea. Muitas vezes são uma
recordação. Podem ser, enfim, algumas vezes, um pressentimento do futuro,
se Deus o permite, ou a visão do que se passa no momento em outro lugar a
que a alma se transporta. Temos numerosos exemplos de pessoas que aparecem
em sonhos para advertir parentes e amigos do que lhes está acontecendo,
que são aparições senão da alma ou do Espírito dessas pessoas que se comunicam
com a nossa. Quando adquirimos a certeza de que aquilo que vimos
realmente aconteceu, não é isso uma prova de que a imaginação nada tem com
o fato, sobretudo se o ocorrido absolutamente não estava no nosso
pensamento durante a vigília.
Frequentemente vemos em sonhos coisas que parecem
pressentimentos e que não se cumprem, porque podem cumprir-se para o Espírito, e não se cumprem
para o corpo. Quer dizer que o Espírito vê aquilo que
deseja, porque vai procurá-lo. Não se deve esquecer que, durante
o sono, a alma está sempre mais ou menos sob a influência da matéria, e
por conseguinte não se afasta jamais completamente das ideias terrenas.
Disso resulta que as preocupações da vigília podem dar, àquilo que se vê,
a aparência do que se deseja ou do que se teme. A isso é que realmente se
pode chamar um efeito da imaginação. Quando se está fortemente preocupado
com uma ideia, liga-se a ela tudo o que se vê.
Quando vemos em sonho pessoas vivas que conhecemos,
perfeitamente praticarem atos em que absolutamente não pensam, não é isso um
efeito de pura imaginação em que absolutamente
não pensam? Como podemos saber, se seus Espíritos podem vir visitar o
nosso, como o nosso pode visitar os deles, e nem sempre sabemos o que
pensam. Além disso frequentemente aplicamos a pessoas que conhecemos, e
segundo os nossos desejos, aquilo que se passou ou se passa em
outras existências.
Não é estritamente necessário que o sono se complete,
para que haja a emancipação do Espírito.
O Espírito recobra a sua liberdade quando os sentidos se entorpecem; ele
aproveita para se emancipar todos os instantes de descanso que o corpo lhe
oferece. Desde que haja prostração das forças vitais, o Espírito se
desprende, e quanto mais fraco estiver o corpo, mais o Espírito
estará livre.
Comentário de Kardec: É assim que o cochilar, ou um simples
entorpecimento dos sentidos, apresenta muitas vezes as mesmas imagens do sonho.
Parece-nos, às vezes, ouvir cm nosso íntimo palavras
pronunciadas distintamente e que não têm nenhuma relação com o que nos preocupa,
sobretudo quando os
sentidos começam a se entorpecer. É, às vezes, o fraco eco de um Espírito
que deseja comunicar-se conosco.
Muitas vezes num estado que ainda não é o de
cochilo, quando temos os olhos ainda fechados, vemos imagens distintas, figuras
das quais apanhamos os pormenores mais minuciosos, seria um efeito de visão ou
de imaginação?
Diríamos
que entorpecido o corpo, o Espírito trata de quebrar a sua cadeia: ele
se transporta e vê, e se o sono fosse completo, isso seria um sonho.
Às vezes, durante o sono ou do cochilo, ideias que
parecem muito boas e que, apesar dos esforços que fazemos para recordá-las se
apagam da memória, são do resultado da
liberdade do Espírito, que se emancipa e goza nesse momento dais mais
amplas faculdades.
Essas
ideias geralmente pertencem algumas vezes, mais ao mundo dos
Espíritos que. ao mundo corpóreo, mas o mais frequente é que se o corpo as
esquece. O Espírito as lembra, e a ideia volta no momento necessário, como
uma inspiração do momento.
O Espírito encarnado, nos momentos em que se
desprende da matéria e age como Espírito,
muitas vezes pressente a época da sua morte, e às vezes tem dela uma
consciência bastante clara, o que lhe dá, no estado de vigília, a sua intuição.
É por isso que algumas pessoas preveem às vezes, a própria morte com
grande exatidão.
A atividade do Espírito, durante o repouso ou o sono
do corpo, pode se fatigar a este, porque o Espírito
está ligado ao corpo como o balão cativo ao poste. Ora, da mesma maneira
que as sacudidas do balão abalam o poste, a atividade do Espírito reage
sobre o corpo, e pode produzir-lhe fadiga.
BIBLIOGRAFIA:
O LIVRO DOS ESPÍRITOS.
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