Transmissão oculta do pensamento
Por que a mesma ideia, a de uma descoberta,
por exemplo, pode surgir em diversos lugares ao mesmo tempo?
– Já dissemos que durante o sono os
Espíritos se comunicam entre si. Pois bem, quando o corpo desperta, o Espírito
se recorda do que aprendeu e o homem acredita ser o autor da invenção. Assim,
muitos podem descobrir a mesma coisa ao mesmo tempo. Quando dizeis: uma idéia
está no ar, usais de uma figura de linguagem mais justa do que acreditais; cada
um, sem saber, contribui para propagá-la.
☼ Nosso próprio Espírito revela,
assim, muitas vezes a outros Espíritos e sem nosso conhecimento o que se faz
objeto de nossas preocupações quando acordados.
420 Os
Espíritos podem se comunicar se o corpo está completamente acordado?
– O Espírito não está fechado no corpo
como numa caixa; irradia por todos os lados. Eis por que pode se comunicar com
outros Espíritos, até mesmo acordados, embora o faça mais dificilmente.
Por que duas pessoas perfeitamente acordadas
têm muitas vezes, instantaneamente, a mesma ideia?
– São dois Espíritos simpáticos que se
comunicam e veem reciprocamente seus respectivos pensamentos, até mesmo quando
o corpo não dorme.
☼ Existe, entre os Espíritos que
se encontram, uma comunicação de pensamentos que faz com que duas pessoas se
vejam e se compreendam, sem ter necessidade dos sinais exteriores da linguagem.
Pode-se dizer que falam a linguagem dos Espíritos.
Letargia, catalepsia, mortes aparentes
Os letárgicos e os catalépticos veem e ouvem
geralmente o que se passa ao redor deles, mas não podem se manifestar; é pelos
olhos e ouvidos do corpo que vêem e ouvem?
– Não. É pelo Espírito; o Espírito tem
conhecimento dos fatos, mas não pode se comunicar.
a Por que não pode se comunicar?
– O estado do corpo se opõe a isso;
esse estado peculiar dos órgãos vos dá a prova de que existe no homem outra
coisa além do corpo, uma vez que o corpo não funciona mais, mas o Espírito
ainda age.
Na letargia, o Espírito pode se separar
inteiramente do corpo, de maneira a dar-lhe todas as aparências da morte e
voltar em seguida?
– Na letargia, o corpo não está morto,
uma vez que há funções vitais que permanecem. A vitalidade se encontra em
estado latente, como na crisálida, mas não está aniquilada. Portanto, o
Espírito está unido ao corpo enquanto este vive. Mas quando os laços são
rompidos pela morte real há a desagregação dos órgãos, a separação é completa e
o Espírito não retorna mais. Quando um homem aparentemente morto retorna à
vida, é que o processo da morte não estava consumado.
Pode-se, por meio de cuidados dados a tempo,
reatar os laços prestes a se romper e tornar à vida um ser que, por falta de
socorro, estaria definitivamente morto?
– Sim, sem dúvida, e tendes a prova
disso todos os dias. O magnetismo é frequentemente, nesse caso, um poderoso
meio, porque restitui ao corpo o fluido vital que lhe falta e que era
insuficiente para manter o funcionamento dos órgãos.
☼ A letargia e a catalepsia têm
o mesmo princípio, que é a perda momentânea da sensibilidade e do movimento por
uma causa fisiológica. Diferem em que, na letargia, a suspensão das forças
vitais é geral e dá ao corpo todas as aparências da morte. Na catalepsia, é
localizada e pode afetar uma parte mais ou menos extensa do corpo, de maneira a
deixar a inteligência livre para se manifestar, o que não permite confundi-la
com a morte. A letargia é sempre natural; a catalepsia é algumas vezes
espontânea, mas pode ser provocada ou desfeita artificialmente pela ação
magnética.
O sonambulismo natural tem relação com os
sonhos? Como se pode explicá-lo?
– É uma situação de independência do
Espírito mais completa do que no sonho, porque então suas faculdades abrangem
maior amplidão e passa a ter percepções que não tem no sonho, que é um estado
de sonambulismo imperfeito. No sonambulismo, o Espírito atinge a plena posse de
si, é inteiramente ele mesmo; os órgãos materiais, estando de alguma forma em
catalepsia, não recebem mais as impressões exteriores. Esse estado se manifesta
principalmente durante o sono. É o momento em que o Espírito pode deixar
provisoriamente o corpo, estando este entregue ao indispensável repouso da
matéria. Quando os fatos do sonambulismo se produzem, é que o Espírito,
preocupado com uma coisa ou outra, se entrega a uma ação qualquer que necessita
da utilização de seu corpo, do qual se serve, então, de uma maneira semelhante
ao que se faz com uma mesa ou com qualquer outro material no fenômeno das
manifestações físicas, ou até mesmo de vossa mão, no caso das comunicações
escritas. Nos sonhos de que se tem consciência, os órgãos, incluindo o da
memória, começam a despertar e recebem imperfeitamente as impressões produzidas
pelos objetos ou as causas exteriores e as comunicam ao Espírito, que, em
repouso, não se apercebe a não ser de sensações confusas e frequentemente sem
nexo e sem nenhuma razão de ser aparente, misturadas que estão com vagas
lembranças, seja desta ou de existências anteriores. Fica então fácil
compreender por que os sonâmbulos, enquanto no estado sonambúlico, não têm
nenhuma lembrança do que ocorreu, e por que os sonhos, dos quais se conserva a
memória, não têm muitas vezes o menor sentido. Digo muitas vezes porque pode
acontecer que sejam a consequência de uma lembrança precisa de acontecimentos
de uma vida anterior e, algumas vezes, até mesmo uma espécie de intuição do
futuro.
O sonambulismo chamado magnético tem relação
com o sonambulismo natural?
– É a mesma coisa; a diferença é que
ele é provocado.
Qual é a natureza do agente chamado fluido
magnético?
– Fluido vital, eletricidade
animalizada, que são modificações do fluido universal.
Qual é a causa da clarividência sonambúlica?
– Já dissemos: é a alma que vê.
Como o sonâmbulo pode ver através de corpos
opacos?
– Não há corpos opacos a não ser para
vossos órgãos grosseiros; já dissemos que, para o Espírito, a matéria não é
obstáculo, uma vez que a atravessa livremente. Frequentemente, o sonâmbulo diz
que vê pela fronte, pelo joelho, etc., porque vós, inteiramente presos à
matéria, não compreendeis que se possa ver sem o auxílio dos órgãos da visão.
Ele mesmo, pelo desejo que tendes, acredita ter necessidade desses órgãos, mas
se o deixásseis livre compreenderia que vê por todas as partes de seu corpo ou,
melhor dizendo, vê de fora de seu corpo.
Uma vez que a clarividência do sonâmbulo é de
sua alma ou seu Espírito, por que não vê tudo e por que se engana frequentemente?
– Inicialmente, não é dado aos
Espíritos imperfeitos tudo ver e conhecer; sabeis que eles ainda participam de
vossos erros e preconceitos. Além disso, quando estão ligados à matéria, não
usufruem de todos os dons ou faculdades do Espírito. Deus deu ao homem a faculdade
do sonambulismo com um objetivo útil e sério e não para o que não deve saber;
eis por que os sonâmbulos não podem dizer tudo. Qual a origem das ideias inatas do sonâmbulo e como ele pode falar com
exatidão de coisas que ignora quando acordado, que estão acima até mesmo de sua
capacidade intelectual?
– Acontece que o sonâmbulo possui mais
conhecimentos do que supondes e apenas se acham adormecidos, porque seu corpo é
um entrave para que possa se lembrar das coisas. Mas, afinal, o que é ele? Como
nós, é um Espírito encarnado na matéria para cumprir sua missão e o estado em
que entra o desperta dessa letargia. Nós vos dissemos, repetidamente, que
vivemos muitas vezes; é essa mudança que faz o sonâmbulo e qualquer outro
Espírito perder materialmente o que pôde aprender em uma existência anterior.
Ao entrar no estado que chamais de transe, ele se recorda, mas nem sempre de
uma maneira completa; sabe, mas não poderia dizer de onde lhe vem o que sabe
nem como possui esses conhecimentos. Passado o transe, toda lembrança se apaga
e ele volta à obscuridade.
☼ A experiência mostra que os
sonâmbulos também recebem comunicações de outros Espíritos que lhes transmitem
o que devem dizer e suprem sua insuficiência. Isso se vê especialmente nas
prescrições médicas: o Espírito do sonâmbulo vê o mal, um outro lhe indica o
remédio. Essa dupla ação é algumas vezes evidente e se revela, de forma clara,
por essas expressões bastante frequentes: dizem-me para dizer, proíbem-me de
dizer tal coisa. Nesse último caso, há sempre perigo em insistir para obter uma
revelação recusada, visto que então são apanhados por Espíritos levianos que
falam de tudo sem escrúpulo e sem se preocuparem com a verdade.
Como explicar a visão à distância em alguns
sonâmbulos?
– A alma não se transporta durante o
sono? O mesmo acontece no sonambulismo.
O desenvolvimento maior ou menor da
clarividência sonambúlica prende-se à organização física ou à natureza do
Espírito encarnado?
– A ambas. Existem disposições físicas
que permitem ao Espírito se desprender mais ou menos
As
faculdades, os dons dos quais desfruta o sonâmbulo, são as mesmas que o
Espírito tem após a morte?
– Até certo ponto, porque é preciso
levar em conta a influência da matéria à qual ainda está ligado.
O sonâmbulo pode ver os outros Espíritos?
– A maioria os vê muito bem, isso
depende do grau e da natureza de sua lucidez, mas algumas vezes não se dá conta
disso de início e os toma por seres corpóreos. Isso acontece principalmente com
aqueles que não possuem nenhum conhecimento do Espiritismo. Ainda não
compreendem a essência dos Espíritos. Isso os espanta e eis por que acreditam
estar vendo pessoas vivas.
☼ O mesmo efeito se produz no
momento da morte naqueles que acreditam ainda estarem vivos. Nada a seu redor
parece mudado, os Espíritos lhe parecem ter corpo semelhante ao nosso e tomam a
aparência do próprio corpo como um corpo real.
O sonâmbulo que vê à distância vê do ponto em
que está seu corpo ou daquele em que está sua alma?
– Por que perguntais, uma vez que
sabeis que é a alma que vê e não o corpo?
Uma vez que é a alma que se transporta, como
pode o sonâmbulo experimentar em seu corpo as sensações de calor e frio do
lugar onde se encontra sua alma, e que está, muitas vezes, bem longe de seu corpo?
– A alma não deixou inteiramente o
corpo; está sempre ligada a ele por um laço que é o condutor das sensações.
Quando duas pessoas se correspondem de uma cidade a outra por meio da
eletricidade6, é a eletricidade o
laço entre seus pensamentos. Por esse laço se comunicam como se estivessem ao
lado uma da outra.
O uso que um sonâmbulo faz de sua faculdade
influi sobre o estado de seu Espírito após sua morte?
– Muito, como o bom ou o mau uso de
todas as faculdades que Deus deu ao homem.
Que diferença existe entre o êxtase e o
sonambulismo?
– O êxtase é um sonambulismo mais
depurado; a alma do extático é ainda mais independente.
O Espírito do extático penetra realmente nos
mundos superiores?
– Sim, ele os vê e compreende a
felicidade daqueles que os habitam. Deseja, por isso, lá permanecer. Mas
existem mundos inacessíveis aos Espíritos que não são suficientemente
depurados.
Quando o extático exprime o desejo de deixar a
Terra, fala sinceramente e não sente atuar nele o instinto de conservação?
– Isso depende do grau de pureza do
Espírito; se vê sua posição futura melhor do que sua vida presente, faz
esforços para romper os laços que o prendem à Terra.
Se o extático ficasse abandonado a si mesmo,
sua alma poderia definitivamente deixar seu corpo?
– Sim, poderia morrer. Por isso é
preciso fazê-lo voltar apelando para tudo o que pode prendê-lo à vida na Terra
e, principalmente, fazendo-o compreender que, se romper a cadeia que o retém
aqui, será a maneira certa de não permanecer onde ele vê que seria feliz.
Existem coisas que o extático pretende ver e
que são evidentemente fruto de uma imaginação impressionada pelas crenças e
preconceitos terrenos. Tudo o que vê não é, então, real?
– O que vê é real para ele, mas como
seu Espírito está sempre sob a influência das ideias terrenas pode vê-lo à sua
maneira ou, melhor dizendo, pode se exprimir numa linguagem apropriada a seus
preconceitos ou às ideias em que foi educado, ou aos vossos, a fim de melhor se
fazer compreender. É, principalmente, nesse sentido que ele pode errar.
Que grau de confiança se pode depositar nas
revelações dos extáticos?
– O extático pode, muito frequentemente,
se enganar, principalmente quando pretende penetrar naquilo que deve permanecer
em mistério para o homem, porque então revelará suas próprias ideias ou se
tornará joguete de Espíritos enganadores que se aproveitam de seu entusiasmo
para fasciná-lo.
Que consequências se pode tirar dos fenômenos
do sonambulismo e do êxtase? Não seriam uma espécie de iniciação à vida futura?
– É, verdadeiramente, a vida passada e
a vida futura que o homem entrevê. Se estudar esses fenômenos, aí encontrará a
solução de mais de um mistério que sua razão procura inutilmente penetrar.
Os fenômenos
do sonambulismo e do êxtase poderiam se conciliar com o materialismo?
– Aquele que os estuda de boa-fé, sem
prevenções, não pode ser nem materialista nem ateu.
O fenômeno conhecido como dupla vista ou
segunda vista tem relação com o sonho e o sonambulismo?
– Tudo isso é a mesma coisa. O que
chamais de dupla vista é ainda o Espírito que está mais livre, embora o corpo
não esteja adormecido. A dupla vista é a vista da alma.
A dupla vista é permanente?
– A faculdade, sim; o exercício, não.
Nos mundos menos materiais, os Espíritos se desprendem mais facilmente e se
comunicam apenas por meio do pensamento, sem excluir, entretanto, a linguagem
articulada. A dupla vista é também, para a maioria dos que lá habitam, uma
faculdade permanente. Seu estado normal pode ser comparado ao dos vossos
sonâmbulos lúcidos e é também por essa razão que eles se manifestam mais
facilmente do que aqueles que estão encarnados nos corpos mais grosseiros.
A dupla
vista se desenvolve espontaneamente ou pela vontade de quem a possui?
– Mais frequentemente é espontânea, mas
muitas vezes a vontade aí exerce um grande papel. Assim, por exemplo, em certas
pessoas que se chamam adivinhos, algumas das quais têm essa faculdade, vereis
que é exercitando a vontade que chegam a ter dupla vista, o que chamais de
visão ou visões.
Há a possibilidade de se desenvolver a dupla
vista pelo exercício?
– Sim, o trabalho sempre traz o
progresso e faz desaparecer o véu que cobre as coisas.
a Essa faculdade tem alguma ligação com a
organização física?
– Certamente, o organismo desempenha aí
um papel; existem, porém, organismos que lhe são refratários.
Por que a dupla vista parece ser hereditária
em certas famílias?
– Semelhança dos organismos que se
transmite como as outras qualidades físicas. Além disso, a faculdade se
desenvolve por uma espécie de educação que também se transmite de um para
outro.
É certo que algumas circunstâncias provocam o
desenvolvimento da dupla vista?
– Sim. A doença, a expectativa de um
perigo, uma grande comoção podem desenvolvê-la. O corpo está algumas vezes num
estado incomum, especial, que permite ao Espírito ver o que não podeis ver com
os olhos do corpo.
☼ Em tempos de crise e de calamidades,
as grandes emoções, todas as causas que superexcitam o moral7 provocam,
algumas vezes, o desenvolvimento da dupla vista. Parece que a Providência, em
presença do perigo, nos dá o meio de afastá-lo. Todas as seitas e facções
políticas perseguidas nos oferecem numerosos exemplos disso.
As pessoas dotadas da dupla vista têm sempre
consciência disso?
– Nem sempre. Para elas é uma coisa
totalmente natural, e muitos acreditam que, se todas as pessoas observassem o
que se passa consigo mesmas, deveriam ser como eles.
Poderíamos atribuir a uma espécie de dupla
vista a perspicácia de certas pessoas que, sem nada terem de extraordinário,
julgam as coisas com mais precisão do que as outras?
– É sempre a alma que irradia mais
livremente e julga melhor que sob o véu da matéria.
a Essa faculdade pode, em certos casos, dar a
previsão das coisas?
– Sim, e também os pressentimentos,
porque existem vários graus nessa faculdade, e a mesma pessoa pode ter todos os
graus ou apenas alguns.
Resumo teórico do sonambulismo, do êxtase e da dupla vista
Os fenômenos do sonambulismo
natural se produzem espontaneamente e são independentes de toda causa exterior
conhecida. Contudo, o organismo físico de algumas pessoas pode ser
especialmente dotado para isso e os fenômenos podem, então, ser provocados
artificialmente, por um magnetizador.
O estado designado sob o nome de
sonambulismo magnético só difere do sonambulismo natural porque é provocado,
enquanto o outro é espontâneo.
O sonambulismo natural é um fato
notório que ninguém mais põe em dúvida, apesar do aspecto maravilhoso dos seus
fenômenos. O que tem, então, de mais extraordinário ou de mais irracional o
sonambulismo magnético? Apenas por ser produzido artificialmente, como tantas
outras coisas? Os charlatães, dizem, o têm explorado. Eis uma razão a mais para
não o deixar nas mãos deles. Quando a ciência o tomar para si, admitindo-o, o
charlatanismo terá bem menos crédito sobre as massas. Contudo, enquanto isso
não acontece, o sonambulismo natural ou artificial é um fato, e como contra
fatos não há argumentos, se propaga, apesar da má vontade de alguns, e isso até
mesmo na ciência, onde penetra por uma infinidade de pequenas portas em vez de
ser aceito pela porta da frente. Quando estiver plenamente firmado lá, será
preciso conceder-lhe direito de cidadania.
Para o Espiritismo, o sonambulismo é
mais que um fenômeno fisiológico, é uma luz lançada sobre a psicologia; é aí
que se pode estudar a alma, porque ela se mostra descoberta. Ora, um dos
fenômenos pelos quais a alma ou Espírito se caracteriza é a clarividência,
independentemente dos órgãos ordinários da vista. Os que contestam esse fato se
apóiam no argumento de que o sonâmbulo nem sempre vê como se vê pelos olhos e
nem sempre vê conforme a vontade do experimentador. É natural. E devemos nos
surpreender que, sendo os meios diferentes, os efeitos não sejam os mesmos? É
racional querer efeitos idênticos quando o instrumento não existe mais? A alma
tem suas propriedades assim como o olho tem as suas; é preciso julgá-las em si
mesmas e não por comparação.
A causa da clarividência tanto no
sonambulismo magnético quanto no natural é a mesma: é um atributo da alma, uma
faculdade inerente a todas as partes do ser incorpóreo que está em nós e cujos
limites são os mesmos da própria alma. O sonâmbulo vê todos os lugares aonde
sua alma possa se transportar, seja qual fora distância.
Na visão à distância, o sonâmbulo não
vê as coisas do lugar em que está seu corpo e sim como por um efeito
telescópico8. Ele as vê presentes
e como se estivesse no lugar onde elas existem, visto que sua alma lá está em
realidade. É por isso que seu corpo fica como se estivesse aniquilado e parece
privado de sensações até o momento em que a alma vem retomá-lo.
Essa separação parcial da alma e do
corpo é um estado anormal que pode ter uma duração mais ou menos longa, mas não
indefinida; é a causa do cansaço que o corpo sente após um certo tempo,
principalmente quando a alma se entrega a um trabalho ativo.
O órgão da visão na alma ou Espírito
não é circunscrito e não tem um lugar determinado, como no corpo físico, o que
explica por que os sonâmbulos não podem lhe assinalar um órgão especial. Eles veem
porque veem, sem saber como ou por que, pois para eles, como Espíritos, a vista
não tem sede própria. Ao se reportarem ao seu corpo, essa sede lhes parece
estar nos centros onde a atividade vital é maior, principalmente no cérebro, na
região epigástrica9, ou no órgão que,
para eles, é o ponto de ligação mais intenso entre o Espírito e o corpo.
O poder da lucidez sonambúlica não é
ilimitado. O Espírito, mesmo completamente liberto do corpo, está limitado em
suas faculdades e conhecimentos de acordo com o grau de perfeição que atingiu,
e mais ainda por estar ligado à matéria da qual sofre influência. Por causa
disso é que a clarividência sonambúlica não é comum, nem infalível. Muito menos
se pode contar com sua infalibilidade quanto mais se desviado objetivo proposto
pela natureza e quanto mais se faz dela objeto de curiosidade e experimentação.
No estado de desprendimento em que se
encontra, o Espírito do sonâmbulo entra em comunicação mais fácil com outros
Espíritos encarnados ou não encarnados; essa comunicação se estabelece pelo
contato dos fluidos que compõem os períspiritos e servem de transmissão para o
pensamento, como o fio na eletricidade.
O sonâmbulo não tem, portanto,
necessidade de que o pensamento seja articulado pela fala: ele o sente e
adivinha, é o que o torna extremamente impressionável às influências da
atmosfera moral em que está. É também por isso que uma assistência numerosa de
espectadores, e principalmente de curiosos mal-intencionados, prejudica o
desenvolvimento dessas faculdades, que se recolhem, por assim dizer, em si
mesmas, e não se desdobram com toda a liberdade como numa reunião íntima e num
meio simpático. A presença de pessoas mal-intencionadas ou antipáticas produz
sobre o sonâmbulo o efeito do contato da mão sobre a planta sensitiva10.
O sonâmbulo vê às vezes seu próprio
Espírito e seu próprio corpo; são, por assim dizer, dois seres que lhe
representam a dupla existência, espiritual e corporal, e entretanto se
confundem pelos laços que os unem. Nem sempre o sonâmbulo se dá conta dessa
situação e essa dualidade faz com que muitas vezes fale de si como se falasse
de outra pessoa; é que, às vezes, é o ser corporal que fala ao espiritual e,
outras, é o ser espiritual que fala ao corporal.
O Espírito adquire um acréscimo de
conhecimento e experiência a cada uma de suas existências corporais. Ele os
esquece em parte, durante sua encarnação numa matéria muito grosseira, mas
sempre se lembra disso como Espírito.
É por isso que certos sonâmbulos
revelam conhecimentos além da instrução que possuem e até mesmo superiores às
suas aparentes capacidades intelectuais. A inferioridade intelectual e
científica do sonâmbulo quando acordado não interfere, portanto, em nada nos
conhecimentos que pode revelar. De acordo com as circunstâncias e o objetivo a
que se proponha, pode tirá-las de sua própria experiência, na clarividência das
coisas presentes ou do conselho que recebe de outros Espíritos, ou ainda do seu
próprio Espírito, que, podendo ser mais ou menos avançado, pode então dizer
coisas mais ou menos certas.
Pelos fenômenos do sonambulismo, tanto
o natural quanto o magnético, a Providência nos dá a prova irrecusável da
existência e independência da alma e nos faz assistir ao espetáculo sublime da
liberdade que ela tem; assim, nos abre o livro de nossa destinação. Quando o
sonâmbulo descreve o que se passa à distância, é evidente que ele vê, mas não
pelos olhos do corpo; vê a si mesmo e sente-se transportado para lá; há,
portanto, naquele lugar algo dele, e esse algo, não sendo seu corpo, só pode
ser sua alma ou Espírito.
Enquanto o homem se perde nas sutilezas
de uma metafísica abstrata e incompreensível para pesquisar as causas de nossa
existência moral, Deus coloca diariamente ao alcance de nossos olhos e nossas
mãos os meios mais simples e evidentes para o estudo da psicologia
experimental.
O êxtase é o estado em que a
independência da alma e do corpo se manifesta de maneira mais sensível e
torna-se de certo modo palpável.
No sonho e no sonambulismo, a alma
percorre os mundos terrestres. No êxtase, penetra num mundo desconhecido, dos
Espíritos etéreos, com os quais entra em comunicação, sem, entretanto,
ultrapassar certos limites que não teria como transpor sem romper totalmente os
laços que a ligam ao corpo. Sente-se num estado resplandecente completamente
novo que a circunda, harmonias desconhecidas na Terra a arrebatam, um bem-estar
indefinível a envolve. A alma desfruta por antecipação da beatitude celeste e
pode-se dizer que põe um pé sobre o limiar da eternidade.
No estado de êxtase o aniquilamento do
corpo é quase completo; tem apenas, por assim dizer, a vida orgânica e sente
que a alma está a ele ligado apenas por um fio que um pequeno esforço extra
faria romper para sempre.
Nesse estado, todos os pensamentos
terrestres desaparecem para dar lugar ao sentimento puro, que é a própria
essência de nosso ser imaterial. Inteiramente envolto nessa contemplação
sublime, o extático encara a vida apenas como uma paragem momentânea. Para ele
tanto o bem quanto o mal, as alegrias grosseiras e misérias aqui da Terra são
apenas incidentes fúteis de uma viagem cujo término que avista o deixa feliz.
Os extáticos são como os sonâmbulos:
sua lucidez pode ser mais ou menos perfeita e seu próprio Espírito, conforme
for mais ou menos elevado, estará também igualmente apto a conhecer e
compreender as coisas. Há neles, algumas vezes, mais exaltação do que
verdadeira lucidez ou, melhor dizendo, sua exaltação prejudica sua lucidez. É
por isso que suas revelações são frequentemente uma mistura de verdades e
erros, de coisas sublimes e absurdas ou até mesmo ridículas. Os Espíritos
inferiores se aproveitam, frequentemente, dessa exaltação, que é sempre uma
causa de fraqueza quando não se sabe reprimi-la, para dominar o extático, e se
fazem passar aos seus olhos com aparências que o prendem às ideias e
preconceitos que têm quando acordado. Isso representa uma dificuldade e um
perigo, mas nem todos são assim; cabe a nós julgar friamente e pesar suas
revelações na balança da razão.
A emancipação da alma se manifesta às
vezes no estado de vigília e produz o fenômeno conhecido como dupla vista ou
segunda vista, que dá àqueles que dela são dotados a faculdade de ver, ouvir e
sentir além dos limites de nossos sentidos. Eles percebem coisas distantes em
todas as partes onde a alma estenda sua ação; eles as veem, por assim dizer,
pela visão ordinária e por uma espécie de miragem.
No momento em que se produz o fenômeno
da dupla vista, o estado físico do indivíduo é sensivelmente modificado; o
olhar tem algo de vago: olha sem ver; a fisionomia toda reflete um ar de
exaltação. Constata-se que os órgãos da vista ficam alheios ao processo porque
a visão persiste, apesar dos olhos fechados.
Essa faculdade parece, para aqueles que
dela desfrutam, tão natural como a de ver; é para eles uma propriedade normal
do seu ser e não lhes parece excepcional. O esquecimento se segue em geral a
essa lucidez passageira da qual a lembrança, cada vez mais vaga, acaba por
desaparecer como a de um sonho.
O poder da dupla vista varia desde a
sensação confusa até a percepção clara e nítida das coisas presentes ou ausentes.
No estado rudimentar, dá a certas pessoas o tato, a perspicácia, uma espécie de
certeza em seus atos que se pode chamar de precisão do golpe de vista moral.
Um pouco mais desenvolvida, desperta os
pressentimentos; ainda mais desenvolvida, mostra os acontecimentos ocorridos ou
em via de ocorrer.
O sonambulismo natural ou artificial, o
êxtase e a dupla vista são apenas variedades ou modificações de uma mesma
causa. Esses fenômenos, assim como os sonhos, estão na lei da natureza; eis por
que existiram desde todos os tempos. A história nos mostra que foram conhecidos
e até mesmo explorados desde a mais alta Antiguidade e neles está a explicação
de diversos fatos que os preconceitos fizeram considerar sobrenaturais.
1.
Outra espécie de sonhos: ele se referia à mediunidade (N. E.).
2.
Joana D’Arc: heroína francesa. Comandou os exércitos da França à vitória sobre os
ingleses, orientada por seus sonhos e suas visões (N. E.).
3.
Jacó: patriarca hebreu do
Antigo Testamento que viu em sonho uma escada que levava da Terra ao céu (N.
E.).
4.
Letargia: estado caracterizado por sono profundo e demorado, causado por
distúrbios cerebrais ou por perda momentânea do controle cerebral. (N. E.).
5.
Catalepsia: estado caracterizado pela rigidez dos músculos e imobilidade; pode ser
provocado por afecções nervosas ou induzidas, como, por exemplo, pelo
hipnotismo (N. E.).
6.
Eletricidade: o telégrafo, o telefone, etc. A resposta se refere ao telégrafo, mas
se aplica hoje ao telefone e às telecomunicações em geral (N. E.).
7.
O moral: ânimo (N. E.).
8.
Efeito telescópico: capacidade de discernir objetos distantes (N. E.).
9.
Epigástrica: referente à parte superior e central do abdome (N. E.).
10.
Sensitiva: planta também conhecida como dormideira, que se fecha ao contato com a
mão (N. E.).
11.
DIVULGADO PELO MÉDIUM GETULIO PACHECO QUADRADO.
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