A MULHER E O ESPIRITISMO.
A mulher e o espiritismo por Dora Incontri.
Todas as tradições espirituais, em minha leitura de
estudiosa de longa data de muitas delas, tocam em verdades atemporais, indicam
caminhos válidos para a humanidade, quando falam de compaixão, solidariedade,
justiça e outros valores, que gostaríamos de ver realizados nesse mundo.
Mas também todas as tradições espirituais são
tecidas por seres humanos, em seus contextos históricos, embora até possamos
considerar que foram inspiradas por Deus, anjos, ancestrais, espíritos… E por
conta disso, todas elas estão sujeitas a uma leitura crítica, contextualizada.
Assim, podemos aceitar e nos beneficiar do que é transcendente, válido para
sempre para todos os seres humanos e podemos rejeitar o que já não se encaixa
em nossos tempos e que muitas vezes ferem aqueles princípios universais.
Se formos analisar a Bíblia ou o Alcorão, nessa
perspectiva, podemos nos libertar desse fundamentalismo, que nos finca no
passado e colocam entraves aos necessários avanços sociais. Mas também podemos
aproveitar as belezas de muitos ensinos, que edificam e consolam.
No espiritismo, temos a particularidade que Kardec
não considerava suas obras como fontes sagradas e inquestionáveis. Ele as
propunha como o resultado de uma pesquisa e de um diálogo igualitário com os
espíritos, com quem se comunicava. E avisou explicitamente que o espiritismo
poderia ser ajustado e modificado segundo a ciência ou as ideias que viessem
avançar no tempo.
Isso posto, examino no dia de hoje – dia
internacional da mulher – como se situa a questão do feminino e do feminismo no
espiritismo de Kardec.
Na apreensão da filosofia espírita, em seus
princípios fundamentais, há uma ideia clara, que salva o espiritismo de
qualquer retrocesso de desigualdade: somos espíritos – e é no espírito que se
radica o ser, a inteligência, a memória, a identidade, o sentimento, sendo o
corpo apenas uma veste temporária – e como espíritos podemos reencarnar como
homens, como mulheres, como brancos, negros, amarelos, e em qualquer classe
social e em qualquer nação. Ou seja, somos essencialmente iguais.
Mas o que diz especificamente o espiritismo a
respeito da condição feminina no mundo?
Quando Kardec começou a pesquisa dos fenômenos
mediúnicos, em meados do século XIX, justamente se iniciava o movimento de
emancipação da mulher e essa questão é discutida por ele. Primeiro, como
Rivail, ainda entre as décadas de 1830 e 1840, ele se casou com Amélie Boudet,
uma mulher mais velha do que ele nove anos, o que era atípico, e uma mulher que
era intelectualizada, havia escrito um livro – que é por muitos mencionado, mas
até agora nenhum pesquisador localizou – e participou como parceira de seus
projetos de educação. Ainda nesse período, os dois militam pela educação da
mulher.
Depois, durante sua escrita das obras espíritas, a
ideia da emancipação feminina aparece com frequência: na Revista Espírita, que
ele dirigiu por 12 anos, ele defende o voto feminino e a possibilidade das
mulheres se formarem em Medicina, por exemplo.
No Livro dos Espíritos, está escrito
que “a emancipação da mulher segue o processo da civilização, sua escravização
marcha com a barbárie. Os sexos, aliás, só existem na organização física, pois
os Espíritos podem tomar um e outro, não havendo diferenças entre eles a esse
respeito. Por conseguinte, devem gozar dos mesmos direitos.” Mas nesse mesmo
trecho bastante avançado para a época (questão 822a) há o reflexo ainda do
contexto do século, onde se fala de “diferentes funções” e que “a mulher deve
se ocupar do interior e o homem do exterior.”
Por outro lado, há pesquisadores, como Ann Braud,
com sua obra ainda sem tradução em português Radical Spirits (Espíritos
radicais), que consideram todo o movimento espírita do século XIX como uma
forma de emancipação feminina, já que as mulheres que não tinham voz na
sociedade, passavam a tê-la através da mediunidade. E os médiuns que
trabalharam com Kardec eram predominantemente mulheres.
Já no Brasil, país onde o espiritismo criou raízes
e disseminou-se, temos no movimento institucionalizado o predomínio de cargos
ocupados por homens, de preferência idosos e conservadores. Houve, porém, à
margem (como de costume) mulheres que se destacaram por sua participação nos
movimentos sociais e por suas ideias libertárias. Cito duas aqui: Anália Franco
(1853-1919) e Maria Lacerda de Moura (1887-1945). A primeira profissionalizou mulheres,
acolheu mães solteiras (que eram párias sociais no virar do século XIX para XX)
e trabalhou pela educação igualitária entre os gêneros. Maria Lacerda foi uma
anarquista que militou por ideias pacifistas, contra o fascismo, colocando em
prática ideias libertárias na educação das crianças. Ambas eram jornalistas,
escritoras, educadoras.
Então, nesse dia da mulher, é bom lembrarmos que em
todas as tradições espirituais, somos de alguma forma escamoteadas, silenciadas
– às vezes com discursos que pretendem justificar uma suposta inferioridade ou
um campo limitado de nossa ação no mundo – mas sempre existiram e existem
aquelas mulheres que resistem, se destacam, se lançam à luta e deixam suas
marcas. Lutemos todos e todas para que isso não seja mais uma exceção no campo
da espiritualidade e em todos os outros campos de ação humana.
MENSAGEM COMPARTILHADA PELO MÉDIUM GETULIO PACHECO
QUADRADO.
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