1 – E veio Jesus para
os lados de Cesaréia de Felipe, e interrogou seus discípulos, dizendo: Quem
dizem os homens que é o Filho do Homem? E eles responderam: Uns dizem que é
João Batista, mas outros que é Elias, e outros que Jeremias ou algum dos
Profetas. Disse-lhes Jesus: E vós, quem dizeis que sou eu? Respondendo Simão
Pedro, disse: Tu és o Cristo, filho do Deus vivo. E respondendo Jesus, lhe
disse: Bem aventurado és, Simão, filho de Jonas, porque não foi a carne e o
sangue que te revelaram isso, mas sim meu Pai, que está nos Céus”. (Mateus, XVI:
13-17)
2 – E chegou a
Herodes, o Tetrarca notícia de tudo o que Jesus obrava, e ficou como suspenso,
porque diziam uns: É João que ressurgiu dos mortos; e outros: É Elias que
apareceu; e outros: É um dos antigos profetas que ressuscitou. Então disse Herodes:
Eu mandei degolar a João; quem é, pois, este, de quem ouço semelhantes coisas?
E buscava ocasião de o ver. (Marcos, VI: 14-15; Lucas, IX: 7-9)
3 – (Após a
transfiguração). E os discípulos lhe perguntaram, dizendo: Pois por que dizem
os escribas que importa vir Elias primeiro? Mas ele, respondendo, lhes disse:
Elias certamente há de vir, e restabelecerá todas as coisas: digo-vos, porém,
que Elias já veio, e eles não o conheceram, antes fizeram dele quanto quiseram.
Assim também o Filho do Homem há de padecer às suas mãos. Então compreenderam
os discípulos que de João Batista é que ele lhes falara. (Mateus, XVII: 10-13;
Marcos, XVIII: 10-12)
RESSURREIÇÃO E
REENCARNAÇÃO
A reencarnação fazia parte dos dogmas
judeus, sob o nome de ressurreição. Somente os saduceus, que pensavam que tudo
acabava com a morte, não acreditavam nela. As ideias dos judeus sobre essa
questão, como sobre muitas outras, não estavam claramente definidas. Porque só
tinham noções vagas e incompletas sobre a alma e sua ligação com o corpo. Eles
acreditavam que um homem podia reviver, sem terem uma ideia precisa da maneira
por que isso se daria, e designavam pela palavra ressurreição o que o
Espiritismo chama, mais justamente, de reencarnação. Com efeito, a ressurreição
supõe o retorno à vida do próprio cadáver, o que a Ciência demonstra ser
materialmente impossível, sobretudo quando os elementos desse corpo já estão há
muito dispersos e consumidos. A reencarnação é à volta da alma ou Espírito à
vida corpórea, mas num outro corpo, novamente constituído, e que nada tem a ver
com o antigo. A palavra ressurreição podia, assim, aplicar-se a Lázaro, mas não
a Elias, nem aos demais profetas. Se, portanto, segundo sua crença, João
Batista era Elias, o corpo de João não podia ser o de Elias, pois que João
tinha sido visto criança e seus pais eram conhecidos. João podia ser, pois,
Elias reencarnado, mas não ressuscitado.
E havia um homem dentre os fariseus,
por nome Nicodemos, senador dos judeus. Este, uma noite, veio buscar a Jesus, e
disse-lhe: Rabi, sabemos que és mestre, vindo da parte de Deus, porque ninguém
pode fazer estes milagres, que tu fazes, se Deus não estiver com ele. Jesus
respondeu e lhe disse: Na verdade, na verdade te digo que não pode ver o Reino
de Deus senão aquele que renascer de novo. Nicodemos lhe disse: Como pode um
homem nascer, sendo velho? Porventura pode entrar no ventre de sua mãe e nascer
outra vez? Respondeu-lhe Jesus: Em verdade, em verdade te digo que quem não
nascer da água e do Espírito, não pode entrar no Reino de Deus, o que é nascido
de carne é carne, e o que é nascido do Espírito é Espírito. Não te maravilhes
de eu te dizer que vos importa nascer de novo. O Espírito sopra onde quer, e tu
ouves a sua voz, mas não sabes de onde ele vem, nem para onde vai. Assim é todo
aquele que é nascido do Espírito. Perguntou Nicodemos: Como se pode fazer isto?
Respondeu Jesus: Tu és mestre em Israel, e não sabes estas coisas? Em verdade,
em verdade te digo: que nós dizemos o que sabemos, e damos testemunho do que
vimos, e vós, com tudo isso, não recebeis o nosso testemunho. Se quando eu vos
tenho falado das coisas terrenas, ainda assim me credes, como creríeis, se eu
vos falasse das celestiais? (João, III: 1-12)
REPORT
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A ideia de que João
Batista era Elias, e de que os profetas podiam reviver na Terra, encontra-se em
muitas passagens dos Evangelhos, notadamente nas acima reproduzidas (nº 1 a 3).
Se essa crença fosse um erro, Jesus não deixaria de combatê-la, como fez com
tantas outras. Longe disso, porém, ele a sancionou com toda a sua autoridade, e
a transformou num princípio, fazendo-a condição necessária, quando disse: Ninguém
pode ver o Reino dos Céus, se não nascer de novo. E insistiu,
acrescentando: Não te maravilhes de eu ter dito que é necessário nascer
de novo.
Estas palavras: “Se não renascer
da água e do Espírito”, foram interpretadas no sentido da regeneração pela
água do batismo. Mas o texto primitivo diz simplesmente: Não renascer
da água e do Espírito, enquanto que, em algumas traduções, a
expressão do Espírito foi substituída por do Espírito
Santo, o que não corresponde ao mesmo pensamento. Esse ponto capital ressalta
dos primeiros comentários feitos sobre o Evangelho, assim como um dia será
constatado sem equívoco possível. (1)
Para compreender o verdadeiro sentido
dessas palavras, é necessário reportar à significação da palavra, que não foi
empregada no seu sentido específico. Os antigos tinham conhecimentos
imperfeitos sobre as ciências físicas, e acreditavam que a Terra havia saído
das águas. Por isso, consideravam a água como o elemento gerador absoluto. É
assim que encontramos no Gênesis: “O Espírito de Deus era levado sobre as
águas”, “flutuava sobre as águas”, “que o firmamento seja no meio das águas”,
que as águas que estão sob o céu se reúnam num só lugar, e que o elemento árido
apareça”, “que as águas produzam animais viventes, que nadem na água, e
pássaros que voem sobre a terra e debaixo do firmamento”.
Conforme essa crença, a água se
transformara no símbolo da natureza material, como o Espírito o era da natureza
inteligente. Estas palavras: “Se o homem renascer da água e do Espírito”, ou
“na água e no Espírito”, significam pois: “Se o homem não renascer com o corpo
e a alma”. Neste sentido é que foram compreendidas no princípio.
Esta interpretação se justifica,
aliás, por estas outras palavras: “O que é nascido da carne é carne, e o que é
nascido do Espírito é Espírito”. Jesus faz aqui uma distinção positiva entre o
Espírito e o corpo. “O que é nascido da carne é carne”, indica claramente que o
corpo procede apenas do corpo, e que o Espírito é independente dele.
“O Espírito sopra onde quer, e ouves
a sua voz, mas não sabes de onde vem nem para onde vai”, é uma passagem que se
pode entender pelo Espírito de Deus que dá a vida a quem quer, ou pela alma do
homem. Nesta última acepção, a sequência: “mas não sabes de onde vem nem para
onde vai”, significa que não se sabe o que foi nem o que será o Espírito. Se,
pelo contrário, o Espírito, ou alma, fosse criado com o corpo, saberíamos de
onde ele vem, pois conheceríamos o seu começo. Em todo caso, esta passagem é a
consagração do principio da preexistência da alma, e por conseguinte da
pluralidade das existências.
Desde os tempos de João Batista até
agora, o Reino dos Céus é tomado pela força, e os que fazem violência são os
que o arrebatam. Porque todos os profetas e a lei, até João, profetizaram. E se
vós o quereis bem compreender, ele mesmo é o Elias que há de vir. O que tem
ouvidos de ouvir, ouça”. (Mateus, XI: 12-15)
REPORT
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Se o princípio da reencarnação,
expresso em São João, podia, a rigor, ser interpretado num sentido puramente
místico, já não aconteceria o mesmo nesta passagem de São Mateus, onde não há
equívoco possível: “Ele mesmo é o Elias que há de vir”. Aqui não existe figura,
em alegoria; trata-se de uma afirmação positiva. “Desde o tempo de João Batista
até agora, o Reino dos Céus é tomado pela força”, que significam estas
palavras, pois João ainda vivia no momento em que foram ditas? Jesus as explica,
ao dizer: “E se vós o quereis bem compreender, ele mesmo é o Elias que há de
vir”. Ora, João tendo sido Elias, Jesus alude ao tempo em que João vivia com o
nome de Elias. “Até agora, o Reino dos Céus é tomado pela força”, é outra
alusão à violência da lei mosaica, que ordenava o extermínio dos infiéis, para
a conquista a Terra Prometida, Paraíso dos hebreus que, segundo a nova lei, o
céu é ganho pela caridade e pela brandura. A seguir, acrescenta: “O que tem
ouvidos de ouvir, ouça”. Essas palavras, tão frequentemente repetidas por
Jesus, exprimem claramente que nem todos estavam em condições de compreender
certas verdades.
Os teus mortos viverão. Os meus, a
quem tiraram a vida, ressuscitarão. Despertai e cantai louvores, vós os que
habitais no pó, porque o orvalho que cai sobre vós é orvalho de luz, e
arruinareis a terra e o reino dos gigantes”. (Isaias, XXVI: 19)
Esta passagem de Isaias é também
bastante clara: “Os teus mortos viverão”. Se o profeta tivesse querido falar da
vida espiritual, se tivesse querido dizer que os mortos não estavam mortos em
Espírito, teria dito: “ainda vivem”, e não: “viverão”. Do ponto de vista
espiritual, essas palavras seriam um contra senso, pois implicariam uma
interrupção na vida da alma. No sentido de regeneração moral, seriam as
negações das penas eternas, pois estabelecem o princípio de que todos os mortos
reviverão.
Quando o homem morre uma vez, e seu
corpo, separado do espírito, é consumido, em que se torna ele? Tendo o homem
morrido uma vez, poderia ele reviver de novo? Nesta guerra em que me encontro,
todos os dias de minha vida, estou esperando que chegue a minha mutação (Job,
XIV: 10-14, segundo a tradução de Sacy).
Quando o homem morre, perde toda a
sua força e expira depois, onde está ele? Se o homem morre, tornará a viver?
Esperarei todos os dias de meu combate, até que chegue a minha transformação?
(Id. Tradução protestante de Osterwald).
Quando o homem está morto, vive
sempre; findando-se os dias da minha existência terrestre, esperarei, porque a
ela voltarei novamente. (Id. Versão da Igreja Grega).
O princípio da pluralidade das
existências está claramente expresso nessas três versões. Não se pode supor que
Job quisesse falar da regeneração pela água do batismo, que ele certamente não
conhecia. “Tendo o homem morrido uma vez, poderia ele reviver de novo?” A ideia
de morrer uma vez e reviver implicam a de morrer e reviver muitas vezes. A
versão da Igreja Grega é ainda mais explicita, se possível: “Findando-se os
dias da minha existência terrestre, esperarei, porque a ela voltarei
novamente”. Quer dizer: eu voltarei à existência terrena. Isto é tão claro como
se alguém dissesse. “Saio de casa, mas a ela voltarei.”
“Nesta guerra em que me encontro,
todos os dias de minha vida, estou esperando que chegue a minha mutação”. Job
quer falar, evidentemente, da luta que sustenta as misérias da vida. Ele espera
a sua mutação, ou seja, ele se resigna. Na versão grega, a expressão
“esperarei”, parece antes se aplicar à nova existência: “Findando-se os dias da
minha existência terrestre, esperarei, porque a ela voltarei novamente”, Job
parece colocar-se, após a morte, num intervalo que separa uma existência de
outra, e dizer que ali esperará o seu retorno.
REPORT
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Não é, pois, duvidoso, que sob o nome
de ressurreição, o princípio da reencarnação fosse uma das crenças fundamentais
dos judeus, e que ela foi confirmada por Jesus e pelos profetas, de maneira
formal. Donde se segue que negar a reencarnação é renegar as palavras do
Cristo. Suas palavras, um dia, constituirão autoridade sobre este ponto, como
sobre muitos outros, quando forem meditadas sem partidarismo.
A essa autoridade, de natureza
religiosa, virá juntar-se no plano filosófico, a das provas que resultam da
observação dos fatos. Quando dos efeitos se quer remontar às causas, a
reencarnação aparece como uma necessidade absoluta, uma condição inerente à
humanidade, em uma palavra, como uma lei da natureza. Ela se revela, pelos seus
resultados, de maneira por assim dizer material, como o motor oculto se revela
pelo movimento que produz. Somente ela pode dizer ao homem de onde ele vem,
para onde vai, por que se encontra na Terra, e justificar todas as anomalias e
todas as injustiças aparentes da vida.
Sem o princípio da preexistência da
alma e da pluralidade das existências, a maior parte das máximas do Evangelho
são ininteligíveis, e por isso tem dado motivo a interpretações tão
contraditórias. Esse princípio é a chave que deve restituir-lhes o verdadeiro
sentido.
(1)
A tradução de Osterwald está conforme o texto primitivo, e traz: não renascer
da água e do Espírito. A de Sacy diz do Espírito Santo. A de Lamennais também
diz: Espírito Santo.
(2) Para o
desenvolvimento do dogma da reencarnação, ver O Livro dos Espíritos, caps IV e
V; O que é o Espiritismo, cap. II; ambos de Allan Kardec; e a Pluralidade das
Existências, de Pezzani. (Nota do Tradutor: A palavra “dogma”, figura aqui no
sentido racional e não fideísta, como “princípio” e não como dogma de fé O
Espiritismo não é dogmático, no sentido religioso da palavra, mas têm
princípios fundamentais, que filosoficamente são chamados dogmas).
MENSAGEM DIVULGADA
PELO MÉDIUM GETULIO PACHECO QUADRADO.
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