O LIVRO DOS ESPÍRITOS.
CAPÍTULO VII. DURAÇÃO DAS PENAS FUTURAS
Quanto a duração
dos sofrimentos do culpado na vida futura, se é arbitrária ou subordinada
a alguma lei, a resposta é, que Deus nunca age de maneira caprichosa e tudo no
Universo é regido por leis que revelam a sua sabedoria e a sua bondade.
Já com
referência o que determina a duração dos sofrimentos do culpado, o certo é que
o é o tempo necessário ao seu melhoramento. O estado de sofrimento e de
felicidade sendo proporcional ao grau de pureza de Espírito, a duração e a
natureza dos seus sofrimentos dependem do tempo que ele precisa para se
melhorar. Á medida que ele progride e que os seus sentimentos se depuram, seus
sofrimentos diminuem e se modificam. (São Luís.)
Para o
Espírito sofredor o tempo parece tão longo ou mais curto do que quando estava
encarnado, São Luís nos diz que parece mais longo: que o sono não existe
para ele. Só para os Espíritos que atingiram um certo grau de purificação o
tempo se apaga, por assim dizer, em face do infinito.
A duração
dos sofrimentos do Espírito pode ser eterna, se ele fosse eternamente mau, ou
seja, se jamais tivesse de se arrepender nem de se melhorar. Então, sofreria
eternamente. Mas Deus não criou seres eternamente votados ao mal. Criou-os
apenas simples e ignorantes, e todos devem progredir num tempo mais ou menos
longo, de acordo com a própria vontade. Esta pode ser mais ou menos retardada,
assim como há crianças mais ou menos precoces, mas, cedo ou tarde, ela se
manifesta por uma irresistível necessidade que o Espírito sente em sair da sua
inferioridade e ser feliz. A lei que rege a duração das penas é, portanto,
eminentemente sábia e benevolente, pois subordina essa duração aos esforços do
Espírito, jamais lhe tirando o livre-arbítrio; se dele fez mau uso, sofrerá as consequências
disso. (São Luís.)
Não há Espíritos
que jamais se arrependem, e sim Espíritos cujo arrependimento é tardio, mas
pretender que jamais se melhorem seria negar a lei do progresso e dizer que a
criança não pode tornar-se adulto. (São Luís.)
A duração
das penas depende sempre da vontade do Espírito, não existindo as que lhe são
impostas por um tempo determinado, e podem ser impostas por
determinado tempo, mas Deus, que não deseja senão o bem de suas criaturas,
aceita sempre o arrependimento, e o desejo de se melhorar nunca é estéril. (São
Luís)
Segundo
isso, as penas impostas jamais seriam eternas, mas vamos raciocinar se uma condenação
perpétua, em consequência de alguns momentos de erro, não seria a negação da bondade
de Deus. Que é, com efeito, a duração da vida, mesmo que fosse de cem anos, em
relação à eternidade? Eternidade! Compreendemos bem essa palavra? Sofrimento,
tortura sem fim e sem esperança, apenas por algumas faltas! Não repugna ao nosso
próprio critério semelhante pensamento? Que os antigos tivessem visto no Senhor
do Universo um Deus terrível, invejoso e vingativo, compreende-se; na sua
ignorância emprestaram à divindade as paixões dos homens. Mas não é esse o Deus
dos cristãos, que coloca o amor, a caridade, a misericórdia, o esquecimento das
ofensas no plano das primeiras virtudes: poderia ele mesmo não ter as
qualidades que exige como um dever? Não há contradição em se lhe atribuir a
bondade infinita e a vingança infinita? Vamos sempre dizer que antes de tudo ele é
justo e que o homem não compreende a sua justiça. Mas a justiça não exclui a
bondade e Deus não seria bom se destinasse às penas horríveis e perpétuas a
maioria de suas criaturas. Poderia fazer da justiça uma obrigação para seus
filhos, se não lhes desse os meios de a compreender? Aliás, não é sublime a
justiça unida à bondade, que faz. a duração das penas depender dos esforços do
culpado para se melhorar? Nisto se encontra a verdade do preceito: “A cada um
segundo as suas obras”. (Santo
Agostinho)
Empenhemos por todos os meios ao nosso
alcance no combate, no aniquilamento da ideia da eternidade das penas,
pensamento blasfemo da justiça e da bondade de Deus, a mais fecunda fonte
da incredulidade, do materialismo e da indiferença que invadiram as massas,
desde que a nossa inteligência começou a se desenvolver. O Espírito prestes a
se esclarecer, ou ainda em vias de o fazer, bem logo compreendeu a monstruosa
injustiça. Sua razão a repele e então raramente deixa de confundir numa mesma
condenação a pena que o revolta e o Deus a que é atribuída. Disso decorrem os
males sem conta que recaíram sobre nós e para os quais viemos trazer o remédio.
A tarefa que nos assinalamos será tanto mais fácil quanto as autoridades em que
se apoiam os defensores dessa crença evitaram de se pronunciar de modo formal.
Nem os concílios, nem os Pais da Igreja decidiram de maneira absoluta essa
grave questão. Se de acordo com os próprios evangelistas, tornando-se ao pé da
letra as suas palavras alegóricas, o Cristo ameaçou os culpados com o fogo que
não se extingue, com fogo eterno, entretanto, nada existe nessas palavras que
provem tê-los condenado eternamente. Pobres ovelhas desgarradas, sabei ver que
o Bom Pastor se aproxima de nós e que, longe de querer banir-nos para sempre da
sua presença, vem ao nosso encontro, para nos reconduzir ao redil. Filhos
pródigos, deixai o nosso exílio voluntário. Voltemos para a morada paterna: o
Pai nos abre os braços e está sempre pronto para festejar o nosso retorno à
família. (Lamennais)
Os Bons Espíritos nos dizem ser guerras
de palavras! Guerras de palavras! E perguntam, se não temos feito verter
bastante sangue? E se será ainda necessário reacender as fogueiras? Discutem-se
as expressões: eternidade das penas, eternidade dos castigos. E se não sabemos então
que aquilo que hoje entendemos por eternidade o que os antigos não o entendiam
da mesma maneira? Que o teólogo consulte as fontes e como todos nós descobriremos
que o texto hebraico não dava à palavra o mesmo sentido que os gregos, os
latinos e os modernos traduziram por penas sem fim, irremissíveis(1). A eternidade dos castigos corresponde à
eternidade do mal. Sim, enquanto existir o mal entre o homens, subsistirão os
castigos; é em sentido relativo que se devem interpretar os textos sagrados. A
eternidade das penas é, portanto, relativa e não absoluta. Dia virá em que
todos os homens se revestirão pelo arrependimento da roupagem da inocência, e
nesse dia não haverá mais gemidos ou ranger de dentes. Nossa razão é limitada,
isso é verdade, mas, tal qual é, representa um presente de Deus e com a ajuda
da razão não haverá um só homem de boa-fé que compreenda de outra maneira a
eternidade dos castigos. A eternidade dos castigos! Como! Teríamos então de
admitir que o mal fosse eterno. Mas só Deus é eterno e não poderia ter criado o
mal eterno, pois, se assim não fosse, teríamos de destituí-lo do mais belo dos
seus atributos: o soberano poder, porque deixa de ser soberanamente poderoso o
que pode criar um demento destruidor de suas próprias obras. Humanidade,
Humanidade! Não mergulhemos mais o nosso sombrio olhar nas profundezas da
Terra, buscando os castigos. Choremos, esperemos, expiemos e refugiemos no
pensamento de um Deus infinitamente bom, absolutamente poderoso e
essencialmente justo. (Platão)
Gravitemos para a unidade divina,
esse é o objetivo da Humanidade. Para atingi-lo, três coisas nos serão necessárias:
a justiça, o amor e a ciência; três coisas lhe são opostas e contrárias: a
ignorância, o ódio e a injustiça(2). Pois bem, em verdade os Bons Espíritos
nos dizem que mentimos a esses princípios fundamentais ao comprometermos a ideia
de Deus com o exagero de sua severidade, e duplamente ao comprometimento,
deixando penetrar no Espírito da criatura o pensamento de que ela possui mais
clemência, mansuetude, amor e verdadeira justiça do que costumemos atribuir ao
Ser Infinito. Destruamos mesmo a ideia de inferno, tornando-a ridícula e
inacessível às nossas crenças, como o é para os nossos corações o horrendo
espetáculo das execuções, das fogueiras e das torturas da Idade Média. Mas
como? É quando a era das represálias cegas já foi superada pelas legislações
humanas que esperamos mantê-la numa forma ideal? Oh! Vamos crer, irmãos em Deus
e em Jesus Cristo, crer ou resignamos a deixar perecer nas nossas mãos todos os
nossos dogmas, para permitir a sua alteração, ou, então, vivifiquemos, abrindo
aos benéficos eflúvios que os bons Espíritos derramam neste momento sobre nós.
A ideia do inferno com suas fornalhas ardentes, com suas caldeiras ferventes,
pôde ser tolerada ou admissível num século mitológico; mas no século dezenove
não passa de vão fantasma que só serve para amedrontar as criancinhas, e no
qual essas mesmas já não acreditam quando se tornam um pouco maiores.
Persistindo nessa mitologia apavorante, acabamos de engendrar na incredulidade,
origem de toda a desorganização social; eis porque tremo ao ver toda uma ordem
social abalada e a ruir sobre as próprias bases por falta de sanção penal.
Homens de fé ardente e viva, vanguardeiros do dia da luz, ao trabalho, pois!
Não para manter velhas fábulas atualmente desacreditadas, mas para reavivar e
revitalizar a verdadeira sanção penal sob formas que correspondam aos nossos
costumes, aos nossos sentimentos e às luzes da nossa época.
Quem é, com efeito, o culpado? É aquele que por um extravio, por um falso
impulso da alma se distancia do objetivo da Criação, que consiste no culto
harmonioso do belo e do bem idealizado pelo arquétipo humano, pelo homem-deus,
por Jesus Cristo.
Qual é o castigo? A consequência natural decorrente desse falso impulso;
uma quantidade de dores necessárias para fazê-lo aborrecer-se da sua
deformação, pela prova do sofrimento. O castigo é o aguilhão que excita a alma
pela amargura a voltar-se sobre si mesma, a retornar ao caminho da salvação. O
objetivo do castigo não é outro senão a reabilitação, a redenção. Querer que o
castigo seja eterno, por uma falta que não é eterna, é negar-lhe toda a razão
de ser.
Oh! em verdade os bons espíritos nos
dizem: cessai, cessai de pôr em paralelo, na eternidade, o Bem, a essência do
Criador, com o mal, essência da criatura: isso seria criar uma penalidade
injustificável. Afirmemos então, ao contrário, o abrandamento gradual dos
castigos e das penas pelas transmigrações e consagrareis, pela razão ligada ao
sentimento, a unidade divina. (Paulo, o
apóstolo)
Comentário de Kardec: Deseja-se incitar o homem ao bem e
desviá-lo do mal pelo engodo das recompensas e o temor dos castigos, mas se
esses castigos são apresentados de maneira que a razão repele, não terão sobre
ele nenhuma influência. Longe disso, ele rejeitará tudo: a forma e o fundo. Que
se lhe apresente, pelo contrário, o futuro de uma forma lógica e ele não o
recusará. O Espiritismo lhe dá essa explicação.
A doutrina da
eternidade das penas, no seu sentido absoluto, faz do ser supremo um Deus implacável.
Seria lógico dizer-se que um soberano é muito bom muito benevolente, muito
indulgente, que não deseja senão a felicidade dos que o rodeiam, mas que ao
mesmo tempo é invejoso, vingativo, de um rigor inflexível e que pune com o suplício
máximo três quartas partes de seus súditos por uma ofensa ou uma infração às
suas leis, ainda mesmo aqueles que faliram por não as conhecer? Não seria isso
uma contradição? Pois bem. Deus pode ser menos do que o seria um homem?
Outra contradição
se apresenta neste caso. Desde que Deus tudo sabe, sabia então, ao criar uma
alma, que ela teria de falir; ela estava desde a formação destinada à
infelicidade eterna: isto é possível, é racional? Com a doutrina das penas
relativas, tudo se justifica. Deus sabia, sem dúvida, que ela teria de falir,
mas lhe dá os meios de se esclarecer por sua própria experiência e pelas suas
próprias faltas. É necessário que ela expie os seus erros para melhor se firmar
no bem, mas a porta da esperança jamais lhe será fechada e Deus faz depender o
momento da sua libertação dos esforços que ela fizer para o atingir. Eis o que
todos podem compreender, o que a lógica mais meticulosa pode admitir. Se as
penas futuras tivessem sido apresentadas dessa maneira, haveria muito menos
céticos.
A palavra eterna é quase sempre empregada
na linguagem comum em sentido figurado, para designar uma coisa de longa
duração e da qual não se prevê o termo, embora se saiba muito bem que esse
termo existe. Dizemos, por exemplo, os gelos eternos das altas montanhas, dos polos,
embora saibamos, de um lado, que o mundo físico pode ter um fim, e de outra
parte, que o estado dessas regiões pode modificar-se pelo deslocamento normal
do eixo da Terra ou por um cataclismo. A palavra eterno, neste caso, não quer
dizer duração infinita. Quando sofremos uma longa doença, dizemos que o nosso
mal é eterno. Que há, pois, para admirar, se os Espíritos que sofrem desde
muitos anos, desde séculos, e até mesmo de milhares de anos, também digam
assim? Não nos esqueçamos, sobretudo, de que a sua inferioridade não lhes
permitindo ver o termo da rota, eles creem sofrer para sempre, o que é para
eles uma punição.
De resto, a
doutrina do fogo material, das fornalhas e das torturas emprestadas ao Tártaro
do paganismo, está hoje completamente abandonada pela alta Teologia. Apenas nas
escolas esses apavorantes quadros alegóricos são ainda apresentados como
verdades positivas por alguns homens mais zelosos do que esclarecidos. E isso
muito erroneamente, pois as imaginações jovens, uma vez passado o terror,
poderão aumentar o número dos incrédulos. A Teologia reconhece hoje que a
palavra fogo é empregada em sentido figurado, devendo ser entendida como fogo
moral. (Ver item 974.) Os que, como
nós, acompanharam as peripécias da vida e dos sofrimentos do além-túmulo
através das comunicações espíritas puderam convencer-se de que, por não terem
nada de material, elas não são menos pungentes(1). A respeito mesmo da sua duração, alguns
teólogos começam a admiti-las no sentido restritivo que indicamos acima e
pensam que, de fato, a palavra eterno pode referir-se às penas em si mesmas,
como consequência de uma lei imutável e não na sua aplicação a cada indivíduo.
No dia em que a religião admitir essa interpretação, bem como outras que são
igualmente a consequência do progresso das luzes, reconduzirá ao seu seio
muitas ovelhas desgarradas(2).
1) Teólogos católicos e protestantes
confirmam hoje essa previsão. Leia-se Giovanni Papini: “O Diabo”, ou
Haraldur Nielson: “O Espiritismo e a Igreja”. Veja-se nota
anterior sobre Teilhard de Chardin. (N. do T.)
(2) Este trecho
da comunicação de Paulo lembra as tríades druídicas sobre as quais há
interessante estudo de Kardec na “Revue Spirite”, publicado em
separata no folheto “Espiritismo: antiguidade, evolução e propagação”, do
Clube dos Jornalistas Espíritas de S. Paulo. Veja-se ainda o livro de Léon
Denis: “Lê Génie Celtiqiie et lê Monde Invisible”, edição Jean
Meyer, Paris, 1927. (N. do T.)
(1) Ver, na Revista
Espírita, as Palestras Familiares de Além-túmulo. (N. do T.)
(2) As
modificações teológicas em curso na atualidade confirmam estas previsões.
Vejam-se os resultados do Concílio Vaticano II e a revolução provocada na
Igreja pela obra de Teilhard de Chardin. (N. do T.)
MENSAGEM DIVULGADA PELO MÉDIUM GETULIO
PACHECO QUADRADO.
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