O LIVRO DOS ESPÍRITOS CAPÍTULO IV. NATUREZA DAS PENAS E
GOZOS FUTUROS.
As penas e
os gozos da alma após a morte, não têm alguma coisa de material, por que a alma
não é constituída de matéria. O próprio bom senso nos diz. Essas penas e
esses gozos nada têm de carnal e por isso mesmo são mil vezes mais vivos
do que os da Terra. O Espírito, uma vez desprendido, é mais
impressionável: a matéria não mais lhe enfraquece as sensações.
O homem faz
ideias tão grosseiras e absurdas das penas e dos gozos da vida futura, porque a
sua inteligência ainda não é suficientemente desenvolvida. A
criança compreende da mesma maneira que o adulto, isso dependendo também
do que se lhe tenha ensinado: é nesse ponto que há necessidade de uma
reforma. Nossa linguagem é muito imperfeita para exprimir o que existe
além do nosso alcance. Por isso, foi necessário fazer comparações, sendo
essas imagens e figuras tomadas como a própria realidade. Mas à medida que
o homem se esclarece, seu pensamento compreende as coisas que a sua
linguagem não pode traduzir.
A
felicidade dos bons Espíritos está em conhecer todas as coisas; não ter
ódio, nem ciúme, nem inveja, nem ambição, nem qualquer das paixões que
fazem a infelicidade dos homens. O amor que os une é para eles a fonte de
uma suprema felicidade. Não experimentam nem as necessidades, nem os
sofrimentos, nem as angústias da vida material. São felizes com o bem que
fazem. De resto, a felicidade dos Espíritos é sempre proporcional à sua
elevação. Somente os Espíritos puros gozam, na verdade, da felicidade
suprema, mas nem por isso os demais são infelizes. Entre os maus e os
perfeitos, há uma infinidade de graus, nos quais os gozos são relativos ao
estado moral. Os que são bastante adiantados compreendem a felicidade dos
que avançaram mais que eles, e a ela aspiram, mas isso é para eles motivo
de emulação e não de inveja. Sabem que deles depende alcançá-la e
trabalham com esse fito, mas com a calma da consciência pura. Sentem-se
felizes de não ter de sofrer o que sofrem os maus.
Eles contam
com a ausência das necessidades materiais entre as condições da felicidade para
os Espíritos. Mas a satisfação dessas mesmas necessidades não é para o homem
uma fonte de gozos, porque são gozos animais. E quando não pode satisfazer
essas necessidades, isso é uma tortura.
O que devemos
entender quando se diz que os espíritos puros estão reunidos no seio de Deus, e
ocupados em lhe cantar louvores. É para que entendamos, porque é uma alegoria para
dar a ideia da compreensão que eles têm das perfeições de Deus, pois o veem
e compreendem; mas, como tantas outras, não se deve torná-la ao pé da
letra. Tudo na Natureza, desde o grão de areia, canta, ou seja, proclama o
poder, a sabedoria e a bondade de Deus. Mas não pensemos que os Espíritos
bem-aventurados estejam em contemplação na eternidade. Isso seria uma
felicidade estúpida e monótona, e mais ainda, a felicidade do egoísta,
pois a sua existência seria uma inutilidade sem fim. Eles não sofrem mais
as tribulações da existência corpórea: isso já é um gozo; depois, como já
foi dito, conhecem e sabem todas as coisas e empregam proveitosamente a
inteligência adquirida, para auxiliar o progresso dos outros Espíritos:
essa é a sua ocupação e ao mesmo tempo um gozo.
Os sofrimentos
dos Espíritos inferiores são tão variados quanto as causas que os produzem, e
proporcionais ao grau de inferioridade, como os gozos são proporcionais ao
grau de superioridade. Podemos resumi-los assim: cobiçar tudo o que lhes
falta para serem felizes, mas não poder obtê-lo; ver a felicidade e não
poder atingi-la; mágoa, ciúme, raiva, desespero, decorrentes de tudo o que
os impede de ser felizes, remorsos e uma ansiedade moral indefinível.
Desejam todos o gozos e não podem satisfazê-los. É isso o que os tortura.
A
influência que os Espíritos exercem uns sobre os outros é sempre boa da parte dos
bons Espíritos. Mas os Espíritos perversos procuram desviar do caminho do
bem e do arrependimento os que consideram suscetíveis de serem arrastados,
e que, muitas vezes, levaram para o mal durante a vida terrena.
A morte não
nos livra da tentação; mas a ação dos maus Espíritos é muito menor sobre os outros Espíritos
do que sobre os homens, pois aqueles não estão sujeitos às paixões materiais.
Os maus
Espíritos para tentar os outros Espíritos, mesmo sem ter o auxílio das
paixões materiais, existem, entretanto no pensamento dos Espíritos
atrasados. Os maus entretém esses pensamentos, arrastando suas vítimas aos
lugares onde deparam com essas paixões e com tudo o que as possa excitar.
Mas para
que servem essas paixões, se lhes falta o objeto real, precisamente,
para o seu suplício: o avarento vê o ouro que não pode possuir; o devasso,
as orgias de que não pode participar; o orgulhoso, as honras que inveja e
de que não pode gozar.
Quanto aos
maiores sofrimentos que os maus Espíritos podem suportar, não há descrição
possível das torturas morais que constituem a punição de certos crimes. Os
próprios Espíritos que as sofrem teriam dificuldades em nos dar uma ideia.
Mas seguramente a mais horrível é o pensamento de serem condenados para sempre.
Comentário de Kardec: O homem tem das penas e dos gozos da alma
após a morte uma ideia mais ou menos elevada, segundo o estado de sua
inteligência. Quanto mais ele se desenvolve mais essa ideia se depura e se
desprende da matéria; compreende as coisas de maneira mais racional e deixa de
tomar ao pé da letra as imagens de uma linguagem figurada. A razão mais
esclarecida nos ensina que a alma é um ser inteiramente espiritual e, por isso
mesmo, não pode ser afetada pelas impressões que não agem fora da matéria. Mas
disso não se segue que esteja livre de sofrimentos, nem que seja punida pelas
suas faltas.
As comunicações
espíritas têm por fim mostrar-nos o estado futuro da alma, não mais como uma
teoria mas como uma realidade. Colocam sob nossos olhos as vicissitudes da vida
do além-túmulo, mas ao mesmo tempo nos apresentam como consequências
perfeitamente lógicas da vida terrena. E embora destituídas do aparato
fantástico criado pela imaginação dos homens, nem por isso são menos penosas
para os que fizeram mau uso de suas faculdades. A diversidade dessas consequências
é infinita, mas pode dizer-se de maneira geral: cada um é punido naquilo em que
pecou. Assim é que uns o são pela incessante visão do mal que fizeram; outros
pelos remorsos, pelo medo, pela vergonha, a dúvida, o isolamento, as trevas, a
separação dos seres que lhes são caros etc.
—A imagem, como tantas outras, tomada
pela realidade tem a procedência da doutrina do fogo eterno. Mas esse temor não pode ter um bom resultado,
porque não refreia aqueles que a ensinam. Ensinam coisas que
a razão rejeitará mais tarde, produzindo uma impressão que não será
durável nem salutar.
Comentário de Kardec: O homem, incapaz de traduzir na sua
linguagem a natureza desses sofrimentos, não encontrou para ela comparação mais
enérgica que a do fogo, pois este é para ele o tipo do suplício mais cruel e o
símbolo da ação mais enérgica. É por isso que a crença no fogo eterno remonta à
mais alta Antiguidade e os povos modernos a herdaram dos antigos. É ainda por
isso que, na sua linguagem figurada, ele diz: o fogo das paixões, queimar de
amor, de ciúmes etc.
Os
Espíritos inferiores não compreendem a felicidade do justo, e é isso o que os
tortura, pois compreendem que estão privados dela por sua própria culpa. É
por isso que o Espírito liberto da matéria aspira a uma nova existência
corpórea, pois cada existência poderá abreviar, se for bem
empregada, a duração desse suplício. É então que ele escolhe as
provas que poderão expiar suas culpas. Porque, ficam sabendo, que o
Espírito sofre por todo o mal que fez ou do qual foi causador
involuntário, por todo o bem que, tendo podido fazer, não o fez, e
por todo o mal que resultar do bem que deixou de fazer. O Espírito errante
não está mais envolvido pelo véu da matéria; é como se tivesse saído de um
nevoeiro e vê o que o distancia da felicidade; então sofre ainda
mais, porque compreende quanto é culpado. Para ele não existe mais a
ilusão; vê a realidade das coisas.
Comentário de Kardec: O Espírito, na erraticidade, abrange na
sua visão, de um lado, todas as suas existências passadas, e do outro, o futuro
prometido, compreendendo o que lhe falta para atingi-lo. Como um viajante que
chegou ao cume de uma montanha, vê a rota percorrida e o que falta para chegar
ao seu destino.
Ver os
Espíritos que sofrem não é para os bons uma causa de aflição, pois eles sabem
que o mal terá um fim e ajudam os outros no seu aperfeiçoamento,
estendendo-lhes a mão: essa é a sua ocupação e um gozo quando obtêm êxito.
Da parte
dos Espíritos estranhos ou indiferentes; a visão das dores e dos sofrimentos
dos que lhes foram caros na Terra não lhes perturba a felicidade. Se isto eles não vissem
esses sofrimentos, vos seriam estranhos após a morte. Ora, a religião nos
diz que as almas nos veem mas consideram as nossas aflições de outro ponto
de vista, pois sabem que os nossos sofrimentos são úteis para o nosso adiantamento,
desde que os suportemos com resignação. Eles se afligem mais com a falta
de coragem que nos atrasa do que com os sofrimentos que sabem ser
passageiros.
Os
Espíritos não podem ocultar-se reciprocamente os pensamentos e, todos os atos
da vida sendo conhecidos, segue-se que o culpado está sempre na presença da
vítima. E isso não pode ser de outra maneira, diz o bom senso.
Essa revelação
de todos os atos repreensíveis e a presença constante das vítimas serão um
castigo para o culpado, mas somente até que ele tenha expiado as suas culpas, seja como
Espírito, seja como homem em novas existências corpóreas.
Comentário de Kardec: Quando estivermos no mundo dos Espíritos,
todo o nosso passado estando descoberto, o bem e o mal que tivermos feito serão
igualmente conhecidos. Em vão aquele que fez o mal tentará escapar à visão de
suas vítimas: sua presença inevitável será para ele um castigo e um remorso
incessante, até que tenha expiado os seus erros. O homem de bem, pelo
contrário, só encontrará por toda parte olhares amigos e benevolentes.
Para o mal, não há
maior tormento na Terra que a presença de suas vítimas. É por isso que ele
sempre as evita. Que será dele quando, dissipada a ilusão das paixões,
compreender o mal que praticou, vendo os seus atos mais secretos revelados, uma
hipocrisia desmascarada, e sem poder subtrair-se à sua vista? Enquanto a alma
do homem perverso é presa da vergonha, do pesar e do remorso, a do justo goza
de perfeita serenidade.
A
recordação das faltas que a alma tenha cometido quando ainda imperfeita não
perturba a sua felicidade, mesmo depois que ela se depurou, porque ele
resgatou as suas faltas e saiu vitoriosa das provas a que se submeteu com
esse fim.
Para a alma
maculada As provas que ainda terá de sofrer para terminar a sua purificação são
uma preocupação penosa, que perturba a sua felicidade. É por isso que ele
não pode gozar de uma felicidade perfeita, senão quando estiver
inteiramente pura. Mas para aquela que já se elevou, o pensamento das
provas por que ainda tem de passar nada tem de penoso.
Comentário de Kardec: A alma que chegou a um certo grau de
pureza goza a felicidade. Um sentimento de doce satisfação a envolve: sente-se
feliz com tudo o que vê e que a rodeia; o véu se eleva, para ela. descobrindo
os mistérios e as maravilhas da criação e as perfeições divinas se mostram em
todo o seu esplendor.
O laço de
simpatia que une os Espíritos da mesma ordem é para eles um motivo de
felicidade.
A união dos Espíritos que se
simpatizam pelo bem é para eles um dos maiores gozos, porque não
temem ver essa união perturbada pelo egoísmo. Eles formam, no mundo
inteiramente espiritual, as famílias do mesmo sentimento. É nisso que
consiste a felicidade espiritual, como em nosso mundo, onde os homens se
agrupam em categorias e gozam de um certo prazer quando se reúnem. A
afeição pura e sincera que provam e de que são objeto é um motivo de
felicidade, pois lá não há falsos amigos nem hipócritas.
Comentário de Kardec: O homem goza as primícias dessa
felicidade sobre a Terra, quando encontra almas com as quais pode confundir-se
numa união pura e santa. Numa vida mais depurada, esse prazer será inefável e
sem limites, porque ele só encontrará almas simpáticas, que o egoísmo não
tornou indiferentes. Pois tudo é amor na Natureza; o egoísmo é que o
aniquila.
Há diferença e pode ser grande, para o estado
futuro do Espírito, entre aquele que temia a morte e aquele que a via com indiferença
e até mesmo com alegria. Entretanto, ela em geral se apaga ante as causas que produzem esse
medo ou esse desejo. Quem a teme ou quem a deseje, pode ser impulsionado
por sentimentos muito diversos, e são esses sentimentos que vão influir no
estado futuro do Espírito. É evidente, por exemplo, que aquele que deseja
a morte unicamente por ver na mesma o fim das tribulações, de certa
maneira se queixa das provas que deve sofrer.
Não é necessário
fazer profissão de fé no Espiritismo, e crer nas manifestações para assegurar
nossa sorte na vida futura. Se assim fosse, todos os que não creem ou não
puderam esclarecer- se seriam deserdados, o que é absurdo. É o bem que
assegura a sorte no futuro; ora, o bem é sempre o bem, qualquer que seja a
via pela qual se conduz.
Comentário de Kardec: A crença no Espiritismo ajuda o homem a se
melhorar ao lhe fixar as ideias sobre determinados pontos do futuro; ela
apressa o adiantamento dos indivíduos e das massas porque permite considerarmos
o que seremos um dia: é, pois, um ponto de apoio, uma luz que nos guia. O
Espiritismo ensina a suportar as provas com paciência e resignação, desvia o
homem da prática dos atos que podem retardar lhe a felicidade futura, e é assim
que contribui para a sua felicidade. Mas nunca se disse que sem ele não se
possa atingi-la.
MENSAGEM DIVULGADA PELO MÉDIUM GETULIO
PACHECO QUADRADO.
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