A questão
precedente nos conduz, naturalmente, à da alma da Terra, várias vezes
debatida e diversamente interpretada.
A alma da Terra
representa o papel principal na teoria da formação do nosso globo pela
incrustação de quatro planetas, teoria cuja impossibilidade material
demonstramos, conforme as observações geológicas e os dados da ciência
experimental (Vide A Gênese, capítulo VII, nº 4 e
seguintes). Pelo que concerne à alma, apoiar-nos-emos igualmente nos fatos.
Esta questão
leva a outra: A Terra é um ser vivo? Sabemos que certos filósofos, mais
sistemáticos do que práticos, consideram a Terra e todos os planetas como
seres animados, fundando-se no princípio de que tudo vive na Natureza,
desde o mineral até o homem. Para começar, cremos que haja uma diferença
capital entre o movimento molecular de atração e de repulsão, de agregação
e de desagregação do mineral e o princípio vital da planta; há aí efeitos
diferentes que acusam causas diferentes, ou, pelo menos, uma profunda
modificação na causa primeira, se ela é única. (A Gênese, Cap.
X, nº 16 a 19).
Mas admitamos,
por um instante, que o princípio da vida tenha a sua fonte no movimento
molecular. Não poderemos contestar que seja ainda mais rudimentar no
mineral do que na planta. Ora, daí a uma alma cujo atributo essencial é a
inteligência, a distância é grande. Ninguém, cremos nós, pensou em dotar um
seixo ou um pedaço de ferro com a faculdade de pensar, de querer e de
compreender. Fazendo mesmo todas as concessões possíveis a este sistema,
isto e, colocando-nos no ponto de vista dos que confundem o princípio vital
com a alma propriamente dita, a alma do mineral nele estaria no estado de
germe latente, porquanto nele não se revela por qualquer manifestação.
Um fato não
menos patente que o de que acabamos de falar é que o desenvolvimento
orgânico está sempre em relação com o desenvolvimento do princípio
inteligente. O organismo se completa à medida que se multiplicam as
faculdades da alma. A escala orgânica segue sempre, em todos os seres, a
progressão da inteligência, desde o pólipo até o homem. Não poderia ser de
outro modo, pois à alma é necessário um instrumento apropriado à
importância das funções que ela deve desempenhar. De que serviria à ostra
ter a inteligência do macaco, sem os órgãos necessários à sua manifestação?
Se, pois, a Terra fosse um ser animado, servindo de corpo a uma alma
especial, essa alma deveria ser ainda mais rudimentar que
a do pólipo, pois a Terra não tem a mesma vitalidade da planta, ao passo
que, pelo papel que se atribui a essa alma, sobretudo na teoria da
incrustação, dela fazem um ser dotado de raciocínio e do mais completo
livre-arbítrio, um Espírito superior, numa palavra, o que não é nem
racional, nem conforme à lei geral, porque jamais um Espírito teria sido
mais aprisionado e pior dotado. A ideia da alma da Terra, entendida neste
sentido, tanto quanto a que faz da Terra um animal, deve, pois, ser
colocada entre as concepções sistemáticas e quiméricas.
Aliás, o mais
ínfimo animal tem liberdade de movimentos; ele vai aonde quer e anda quando
lhe apraz, ao passo que os astros, esses seres que dizem vivos e animados
por inteligências superiores, seriam adstritos a movimentos perpetuamente
automáticos, sem jamais poderem afastar-se de sua rota; seriam, na verdade,
bem menos favorecidos que o último pulgão. Se, conforme a teoria da
incrustação, as almas dos quatro planetas que formaram a Terra tiveram a
liberdade de reunir os seus envoltórios, teriam a de ir aonde quisessem, de
mudar à vontade as leis da mecânica celeste. Por que não mais a têm?
Há ideias que
se refutam por si mesmas e sistemas que caem desde que se perscrutam
seriamente as suas consequências. O Espiritismo seria, com razão,
ridicularizado por seus adversários, se se fizesse o editor responsável por
utopias que não resistem a um exame. Se o ridículo não o matou, é porque só
mata o que é ridículo.
Por alma da
Terra pode-se entender, mais racionalmente, a coletividade dos Espíritos
encarregados da elaboração e da direção de seus elementos constitutivos, o
que já supõe um certo grau de adiantamento e de desenvolvimento
intelectual; ou, melhor ainda, o Espírito ao qual é confiada a alta direção
dos destinos morais e do progresso de seus habitantes, missão que não pode
ser entregue senão a um ser eminentemente superior em saber e em sabedoria.
Neste caso, não é, a bem dizer, a alma da Terra, porque esse Espírito nela
não está encarnado, nem subordinado ao seu estado material; é um chefe,
preposto à sua direção, como um general é preposto à condução de um
exército. Um Espírito encarregado de tão importante missão qual a
governança de um mundo, não poderia ter caprichos, ou Deus seria muito
imprevidente para confiar a execução de seus desígnios soberanos a seres
capazes de levá-los ao fracasso, por sua má vontade. Ora, segundo a
doutrina da incrustação, seria a má vontade da alma da Lua a causa da Terra
ter ficado incompleta.
Numerosas
comunicações, dadas em vários lugares, vieram confirmar esta maneira de encarar
a questão da alma da Terra. Citaremos apenas uma, que resume todas em
poucas palavras.
Sociedade Espírita de Bordeaux,
abril de 1862
A Terra não tem
alma que lhe pertença propriamente, porque não é um ser organizado como os
que são dotados de vida; ela os tem aos milhões, que são os Espíritos
encarregados de seu equilíbrio, de sua harmonia, de sua vegetação, de seu
calor, de sua luz, das estações, da encarnação dos animais pelos quais eles
velam, assim como pela dos homens. Isto não quer dizer que tais Espíritos
sejam a causa desses fenômenos: eles os presidem como os funcionários de um
governo presidem a cada uma das engrenagens da administração.
A Terra
progrediu à medida que se formou; ela progride sempre, sem jamais se deter,
até o momento em que tiver atingido o máximo de sua perfeição. Tudo o que
nela é vida e matéria progride ao mesmo tempo, porque, à medida que se
realiza o progresso, os Espíritos encarregados de velar por ela e seus
produtos, progridem, por sua vez, pelo trabalho que lhes incumbe, ou cedem
o lugar a Espíritos mais adiantados. Neste momento, ela chega a uma
transição do mal ao bem, do medíocre ao belo.
Deus, criador,
é a alma do Universo, de todos os mundos que gravitam no infinito, e os
Espíritos encarregados, em cada mundo, da execução de suas leis, são
agentes de sua vontade sob a direção de um delegado superior. Esse delegado
pertence, necessariamente, à ordem dos Espíritos mais elevados, porque
seria injúria à sabedoria divina crer que ela abandonasse à fantasia de uma
criatura imperfeita o cuidado de velar pela realização do destino de
milhões de suas próprias criaturas.
Pergunta: ─ Os
Espíritos encarregados da direção e da elaboração dos elementos
constitutivos do nosso globo podem encarnar-se aqui?
Resposta: ─ Certamente,
porque na condição de encarnados, tendo uma ação mais direta sobre a
matéria, eles podem fazer o que lhes seria impossível como Espíritos, assim
como certas funções, por sua natureza, incumbem mais especialmente ao
estado espiritual. A cada estado são conferidas missões particulares.
“Os habitantes
da Terra não trabalham sua melhora material? Considerai, então, todos os
Espíritos encarnados como parte da equipe de Espíritos encarregados de
fazê-la progredir, ao mesmo tempo que eles próprios progridem. É a
coletividade de todas essas inteligências, encarnadas e desencarnadas,
inclusive o delegado superior, que constitui, a bem dizer, a alma da Terra,
da qual cada um de vós faz parte. Encarnados e desencarnados são as abelhas
que trabalham na edificação da colmeia, sob a direção do Espírito-chefe.
Este é a cabeça, os outros, os braços.
Pergunta: ─ Esse
Espírito chefe também pode encarnar?
Resposta: ─ Sem
dúvida nenhuma, quando ele recebe a missão, o que ocorre quando sua
presença entre os homens é necessária ao progresso.
Um dos vossos
guias espirituais.
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