“Aos quinze anos dediquei o meu coração à
aprendizagem; aos trinta assumi o meu lugar;
aos quarenta fiquei livre de dúvidas; aos
cinquenta
compreendi o Decreto do Céu; aos sessenta o meu
ouvido estava afinado; aos setenta eu segui o
desejo do meu coração sem ultrapassar a linha.” [1]
Não pergunte qual é a idade mais importante da sua
vida. A idade mais importante é a que você tem agora. O momento mais
decisivo é este preciso instante. O dia mais pleno é o dia de hoje - e isso
tem sido assim desde sempre.
O instante presente contém em si os resultados de
todos os aspectos do passado e as sementes de todos os momentos
futuros. O passado e o futuro são infinitos, mas são influenciados pelo que
ocorre agora.
Embora os fatos do passado não sejam alterados, o
modo como eles são percebidos é sempre diferente, à medida que vivemos
novas situações. Um estado de espírito otimista mostrará um passado
feliz. Um sentimento de raiva atrairá lembranças de rancores e
conflitos. A filosofia teosófica mostra que tudo que passou traz lições, e
que frequentemente os nossos sofrimentos são mais produtivos do que os
momentos agradáveis. Além disso, o mesmo e velho passado nos dá lições
diferentes a cada instante. À medida que enfrentamos desafios inéditos,
enxergamos significados novos em acontecimentos distantes no tempo.
Assim, o passado não é infinito apenas no sentido
cronológico. Há um número ilimitado de pontos de vista a partir do qual
podemos olhar para ele, e o mesmo ocorre em relação ao futuro. Para a alma
imortal, uma vida é uma obra de arte, e ela pode ser bem realizada desde o
início até o seu final. Do nascimento à velhice, uma vida
passa por fases muito diferentes, mas, internamente, ela forma uma
unidade. Cada faixa etária tem uma relação viva com todas as
outras. Se tenho oitenta anos, posso me reconhecer como continuação do
garoto de oito anos que fui. Se sou um adolescente de 17, possuo
em mim o material que florescerá no futuro cidadão experiente de setenta
anos. Assim, seja qual for minha idade, ela contém as
heranças das idades anteriores e também as sementes que germinarão, ou não,
no futuro. O livre-arbítrio me permite eliminar pela força da
compreensão as sementes negativas herdadas do passado, enquanto faço germinar
pelo poder da sabedoria as sementes positivas.
Na verdade, portanto, todas as minhas
idades estão presentes em cada momento da minha vida. Posso dialogar com os
meus “eus” de idades prévias, e também com os “eus” de idades futuras. A vida
é um mistério fascinante. Nossa existência pessoal é como uma pequena casca de noz que navega durante oitenta ou
cem anos pela onda de vida física de um planeta situado na
periferia de uma galáxia menor. Essa galáxia, por sua vez, navega em um
mar eterno e infinito, para o qual um período de alguns bilhões de anos
é pouca coisa.
Embora a vida da casca de noz pessoal seja passageira, a alma
imortal reencarna sucessivamente, recebendo como instrumentos de navegação
novas cascas de nozes, até alcançar a perfeição humana.
Naturalmente, não lembramos das vidas anteriores. A lei universal estabelece
que – salvo exceções – nenhuma casca física deve recordar, com sua
mente cerebral ou seus cinco sentidos, das experiências da casca anterior. Afinal, não é o corpo
físico nem o eu inferior que reencarnam, mas apenas a alma imortal. Só ela
tem direito a navegar no oceano do tempo eterno e do espaço infinito. A alternativa que nos
resta é elevar nossa consciência até ela. Então compreenderemos a vida
de fato.
A criação do mundo repete-se, em pequena
escala, cada vez que uma criança é concebida. Assim como a vida do
planeta começou no mar, a vida de cada um de nós começa no líquido amniótico
do corpo da mãe. O feto refaz em miniatura as etapas da vida na Terra. A
criança nasce como um animal indefeso, depois rasteja como um réptil, e mais
tarde faz brincadeiras que recordam inconscientemente etapas anteriores da
história humana. A alma imortal se aproxima aos poucos do seu corpo novo. A
criança traz ao mundo uma pureza que é resultado - segundo a filosofia
esotérica - do longo banho abençoado que foi a passagem da alma pelo Devachan, o “local divino”, o período de
descanso espiritual entre uma encarnação e outra. O Devachan dura normalmente
de mil a quatro mil anos. [2]
Segundo a teosofia original, uma vida humana se divide em períodos
setenários. A ciência informa que, a cada sete anos, se renovam completamente
as células do nosso corpo. O carma pessoal também se reorganiza nesse
prazo. Assim, as diferentes fases da vida têm suas próprias lições. Embora
a vida de cada um seja um processo único, há algumas tendências gerais,
válidas para todos, que facilitam a nossa compreensão da vida como uma obra
de arte.
1) Nos primeiros sete anos, o indivíduo aprende a lidar com
o mundo físico. Ele entra para a escola e passa pela alfabetização. Até
sete anos, a alma mortal se consolida como ponte e como síntese entre as
circunstâncias físicas e emocionais do nascimento, de um lado, e a
intenção, o carma e as potencialidades internas trazidas das vidas anteriores.
A casca psicológica do eu, feita de hábitos e tendências, começa a se
consolidar mas ainda permanece aberta a muitas influências. Daí a necessidade
de proteção, de estabilidade, e de estímulos positivos que despertem nela a
autoconfiança e a percepção do seu próprio potencial interno para o bem.
Nesta etapa também é muito frequente que tenhamos
percepções fundamentais sobre a meta da nossa vida. Então surge a primeira
versão do propósito de vida, cuja base é a experiência acumulada de
encarnações anteriores. O escritor Érico Veríssimo confessou, na idade
madura, que o rumo da sua vida foi determinado por decisões internas tomadas
quando tinha quatro ou cinco anos de idade.
Em qualquer etapa da vida, podemos
recuperar e reforçar a essência positiva da intenção profunda que emergiu na
infância. A criança que fomos estará presente em nosso mundo
psicológico enquanto vivermos. É sempre recomendável verificar se somos
leais ao propósito glorioso que ela definiu para nossa existência.
2) Entre os sete e os catorze anos cresce a nossa identificação
com o mundo externo e somos envolvidos por uma malha fina de exigências
sociais. O período culmina com a entrada na adolescência e o começo de uma
grande transição física e emocional em direção à vida adulta. A alma
imortal já não fala com tanta facilidade como antes com a casca externa, que
agora está preocupada em navegar em um mar agitado de pressões, deveres
e emoções.
É um dever dos adultos dar estabilidade
emocional e estímulos positivos a cada criança. Porém, algumas almas nascem
em situações tempestuosas. A poeta brasileira Cecília Meireles, por exemplo,
perdeu os dois pais antes dos quatro anos de idade. Para evitar mais
perdas, ela fugiu do que é transitório e dedicou sua vida a assuntos
imortais, usando a literatura como refúgio e como instrumento.
3) Entre os 14 e os 21 anos alcançamos a maioridade.
Ocorrem agora as primeiras paixões, o primeiro emprego – talvez o primeiro
desemprego – e, muitas vezes, o casamento e filhos. Também há almas que
embarcam em sonhos mais amplos e aventuras impessoais como um ideal revolucionário,
a decisão de viajar pelo mundo, uma busca mística ou a atividade literária. É
nessa etapa que a pessoa faz suas revoluções pessoais e se projeta para o
futuro. É claro que nem sempre há uma grande dose de acerto em tais
tentativas. Mas, havendo boa intenção, os equívocos não serão graves. Mais
tarde virá a sabedoria da experiência.
4) Entre 21 e 28 anos de idade surge um poderoso impulso
profissional e, conforme a alma e as circunstâncias, espiritual. Aos 28 anos,
o indivíduo é plenamente adulto. A pessoa se estabelece na vida e contrai
compromissos que podem durar pelo resto da vida.
5) Dos 28 aos 35 anos, surge a fase madura da vida. Astrologicamente, há um
evento decisivo entre 28 e 30 anos. O planeta Saturno completa uma
volta no mapa astral e passa novamente pelo local do céu em que ele estava no
momento em que a pessoa nasceu. Saturno é o mestre do tempo, do carma, dos
limites e das estruturas. Sua lenta passagem pelas casas do nosso mapa
astrológico define os grandes temas das diversas fases da nossa existência.
A primeira volta de Saturno provoca uma avaliação geral das ações
feitas até o momento e, muitas vezes, há mudanças radicais na vida. É como se
a pessoa encontrasse seu rumo e seu destino. O que houver de falso ou
ilusório cai como um castelo de cartas, porque Saturno exige situações bem
definidas. Na lenda de Gautama Buda, o novo instrutor espiritual da
humanidade descobre aos 29 anos a existência do sofrimento e da morte. Ele
abandona imediatamente o mundo e se refugia na meditação. Assim, a partir dos
30 anos o rumo geral está claro e a alma elimina grande parte das
distrações que a faziam perder tempo. Talvez não faltem obstáculos e crises.
Mas surgem possibilidades ilimitadas e se abre a fase das grandes
realizações. Até que ponto a vida já pode ser vista como um aprendizado
espiritual e nada mais? Cada um deve responder por si.
6) Dos 35 aos 42, o indivíduo percebe os limites
do seu corpo e sente os primeiros efeitos do envelhecimento físico. Ele ainda
pode ter muitos anos de vida ativa, mas para isso terá de manter hábitos
pessoais que fortaleçam a saúde. A chamada “crise dos 40 anos” força-o a colocar
a sabedoria acima da força. Ele identifica com mais clareza o que pode
e o que não pode realizar. Ele reduz as suas ambições externas, aprende
a atuar seletivamente e aproveita melhor as oportunidades. É mais realista, e
tem mais capacidade de concentração. O êxito, profissional e social, se
amplia. Para muitos, agora se aprofunda o despertar espiritual, e o
movimento teosófico surge como caminho para a plenitude e a libertação
interior.
7) Dos 42 aos 49 anos se completa a transição para a meia-idade.
Acentua-se a necessidade de usar mais talento para compensar a perda da
vitalidade física. As emoções estavelmente negativas, que nunca foram
recomendáveis, agora já não podem ser toleradas porque passam a ter efeitos
diretos sobre a saúde. Há um sentido maior de urgência no viver. Ainda
se tem saúde, ainda se pode recomeçar a vida, mas não há mais tempo a perder.
O final dessa fase traz uma grande tranquilidade a algumas pessoas, quando
percebem que já cumpriram certos deveres básicos na vida. Essa percepção
afasta o medo e dá tranquilidade para viver o futuro. Em muitos casos
os filhos foram criados e a situação econômica está consolidada. A alma se
volta para aproveitar melhor a vida. Ama mais profundamente, dá menos atenção
a formalidades e vai direto ao que interessa. Pela posição de Saturno
em trânsito, a partir dos 47 anos e até os 54 há um período de novo ânimo e
grande poder de iniciativa e realização. É quase uma segunda adolescência. Os
temas da juventude que ainda não foram bem resolvidos podem ser retomados
agora em um esforço profundo de compensação.
8) Entre 49 e 56 anos de idade a alma já tem uma grande
quantidade de experiência de vida e ainda está no auge da capacidade de
trabalho. Embora seu corpo físico continue envelhecendo e requeira cautela
crescente no seu manejo, a verdade é que a capacidade de trabalho intelectual
está num patamar mais alto que o das faixas etárias anteriores. Ao mesmo
tempo, é cada dia mais importante cortar formas de desperdício da
energia vital e adequar a alimentação e outros hábitos pessoais para que haja
menos desgaste da saúde. É aconselhável ler, escutar música, meditar,
refletir sobre a vida e participar de trabalhos voluntários. A volta à
simplicidade preparará uma velhice feliz, fator importante para que a vida
após a morte e as próximas vidas sejam mais agradáveis. Os anos da velhice
podem ser mais dourados que os da juventude, e poucos velhos gostariam,
de fato, de voltar à situação de trinta ou quarenta atrás. Eles sabem que a
sabedoria e a experiência adquiridas são o seu bem mais precioso.
9) Entre 56 e 63 anos, ingressamos na idade madura. Os
efeitos da segunda volta de Saturno se dão entre os 57 e 60 anos, trazendo
novas possibilidades de grandes transformações. Há um exame cármico
geral e rigoroso e uma severa avaliação dos rumos da vida. É possível que
ocorram tempestades e mudanças estruturais. Se não houver necessidade
de grandes guinadas no rumo da vida, a renovação será interior e a alma
avançará produtivamente para a longa reta final que levara à culminação da
existência física. Do ponto de vista prático, estas são algumas das
recomendações mais cruciais a partir de agora:
*Ter uma meta nobre de vida, e preservar a
capacidade de aprender com cada fato novo;
* Buscar a sabedoria, agir moderadamente, e
ajudar a Causa da evolução humana;
*Aproveitar o que cada momento traz de bom e de
útil;
*Dedicar uma boa parte do dia a pensar no que é
eterno e infinito;
*Caminhar todos os dias meditativamente, junto à
natureza ou em local tranqüilo;
*Evitar dívidas e outras situações
econômicas complicadas;
*Manter atividades produtivas, seja
profissionalmente, seja como voluntário;
*Desarmar os conflitos emocionais e os rancores
em cada relacionamento pessoal e profissional;
*Manter o humor leve, apreciar a beleza do céu,
sorrir para a vida.
Esses itens são recomendáveis para qualquer
tempo. Agora, no entanto, eles ganham importância decisiva. Quando nosso
corpo é velho e frágil, é indispensável ter sabedoria interior e juventude de
espírito. Porém há um desafio nisso. Quanto mais idade temos, mais
difícil é fazer mudanças. Por isso é aconselhável aproveitar as fases da
vida em que ainda somos suficientemente maleáveis para educar a nós próprios
e criar hábitos que levam a uma existência fisicamente longa e
espiritualmente correta.
10) Os períodos setenários que vão
de 63 até 70 anos, e 77; e ainda 84, 91, 98 e 105 anos de idade, já não são épocas propícias
para inovações desnecessárias. No entanto, a atividade profissional e intelectual
vivida com serenidade é perfeitamente possível até muito além dos 80 anos.
Viver intensamente o presente é fundamental, mas
evite dar importância desnecessária a conflitos. A vida deve ser dedicada
cada vez mais à paz interior e aos estados contemplativos. Os assuntos
humanos de curto prazo precisam ser tratados com moderação, reconhecendo-se
que são coisas de importância passageira. A prioridade é a ampliação dos
horizontes e a compreensão das verdades eternas. Já podemos admirar os resultados
da nossa vida, mas ainda é possível ampliar o trabalho realizado, aumentando
nossa capacidade de amar e de fazer o bem.
Estamos livres de amarras: podemos viver cada dia
com intensidade. Assim avançamos harmoniosamente - talvez até além dos cem
anos de idade. E quando largarmos definitivamente o nosso velho
corpo, iremos para o longo e glorioso período de descanso entre duas
vidas, que a filosofia esotérica chama de Devachan. E ali teremos uma
existência abençoada até que o ciclo do renascimento comece outra vez.
Consciente da natureza cíclica da vida universal,
Benjamin Franklin, o bem-humorado pensador e líder político norte-americano,
escreveu ainda jovem o seguinte epitáfio para si mesmo:
“O corpo de Benjamin Franklin, impressor - como a
capa de um velho livro, com seu conteúdo gasto e já sem títulos dourados -
aqui jaz na condição de alimento para os vermes. Mas o trabalho não estará
perdido, pois, segundo ele acreditava, reaparecerá mais uma vez, em uma nova
e elegante edição, revista e corrigida pelo Autor.” [3]
A vida é infinita, e só as formas são
passageiras. Temos todos os elementos para construir com eficácia a grande
obra de arte que é nossa existência atual. Não há conhecimento mais
importante do que essa ciência de viver.
A tranquilidade do estudante de filosofia
esotérica surge do fato de que ele conhece e compreende uma lei essencial: na
natureza nada se perde, nada se cria, tudo se transforma. Tudo se recicla. A
cada final corresponde um descanso, e também um novo começo. A cada plantio,
uma colheita, e a colheita ocorrerá segundo a Lei do Equilíbrio e da Justiça.
O universo é simétrico: cada noite tem uma única função, que é preparar o
amanhecer.
A concepção realista de uma existência humana
como um conjunto perfeito do início ao final é algo que nos permite atuar com
sabedoria nas diferentes situações específicas. Deste modo fica mais fácil
transformar cada dia da vida em uma pequena mas valiosa obra de arte.
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