O LIVRO
DOS ESPÍRITOS.CAPÍTULO I. PENAS E GOZOS TERRENOS.DESGOSTO PELA VIDA.SUICÍDIO.
De onde
vem o desgosto pela vida, que se apodera de alguns indivíduos sem motivos
plausíveis?
— Efeito da ociosidade, da falta de fé e geralmente da
sociedade. Para aqueles que exercem as suas faculdades com um fim útil e
segundo as suas aptidões naturais, o trabalho nada tem de árido e a vida se
escoa mais rapidamente; suportam as suas vicissitudes com tanto mais paciência
e resignação, quanto mais agem tendo em vista a felicidade mais sólida e mais
durável que os espera.
O homem
tem o direito de dispor da sua própria vida?
— Não; somente Deus tem esse direito. O suicídio voluntário é
uma transgressão dessa lei.
O
suicídio não é sempre voluntário?
— O louco que se mata não sabe o que faz.
Que
pensar do suicídio que tem por causa o desgosto da vida?
— Insensatos! Por que não trabalhavam? A existência não lhes
teria sido tão pesada!
Que
pensar do suicida que tem por fim escapar às misérias e às decepções deste
mundo?
— Pobres Espíritos que não tiveram a coragem de suportar as
misérias da existência! Deus ajuda aos que sofrem e não aos que não têm forças
nem coragem. As tribulações da vida são provas ou expiações. Felizes os que as
suportam sem se queixar, porque serão recompensados! Infelizes, ao contrário,
os que esperam uma saída nisso que, na sua impiedade, chamam de sorte ou acaso!
A sorte ou o acaso, para me servir da sua linguagem, podem de fato favorecê-los
por um instante, mas somente para lhes fazer sentir mais tarde, e de maneira
mais cruel, o vazio de suas palavras.
Os que
levaram o desgraçado a esse ato de desespero sofrerão as consequências disso?
— Oh! Infelizes deles! Porque responderão como por um
assassínio.
O homem
que se vê às voltas com a necessidade e se deixa morrer de desespero pode ser
considerado como suicida?
— É um suicida, mas os que o causaram ou que o poderiam impedir
são mais culpáveis que ele, a quem a indulgência espera. Não acrediteis, porém,
que seja inteiramente absolvido se lhe faltou a firmeza e a perseverança e se
não fez uso de toda a sua inteligência para sair das dificuldades. Infeliz
dele, sobretudo, se o seu desespero é filho do orgulho; quero dizer, se é um
desses homens em quem o orgulho paralisa os recursos da inteligência e que se
envergonhariam se tivessem de dever a existência ao trabalho das próprias mãos,
preferindo morrer de fome a descer do que chamam a sua posição social! Não há
cem vezes mais grandeza e dignidade em lutar contra a adversidade, em enfrentar
a crítica de um mundo fútil e egoísta, que tem boa vontade para aqueles a quem
nada falta, e que vos volta as costas quando dele necessitais? Sacrificar a
vida à consideração desse mundo é uma coisa estúpida, porque ele não se
importará com isso.
O
suicida que tem por fim escapar à vergonha de uma ação má é tão repreensível
como o que é levado pelo desespero?
— O suicídio não apaga a falta. Pelo contrário, com ele aparecem
duas em lugar de uma. Quando se teve a coragem de praticar o mal, é preciso
tê-la para sofrer as consequências. Deus é quem julga. E, segundo a causa, pode
às vezes diminuir o seu rigor.
O
suicídio é perdoável quando tem por fim impedir que a vergonha envolva os
filhos ou a família?
— Aquele que assim age não procede bem, mas acredita que sim e
Deus levará em conta a sua intenção, porque será uma expiação que a si mesmo se
impôs. Ele atenua a sua falta pela intenção, mas nem por isso deixa de cometer
uma falta. De resto, se abolirdes os abusos da vossa sociedade e os vossos
preconceitos, não tereis mais suicídios.
Comentário de Kardec: Aquele
que tira a própria vida para fugir à vergonha de uma ação má, prova que tem
mais em conta a estima dos homens que a de Deus, porque vai entrar na vida
espiritual carregado de suas iniquidades, tendo-se privado dos meios de
repará-las durante a vida. Deus é muitas vezes menos inexorável que os homens:
perdoa o arrependimento sincero e leva em conta o nosso esforço de reparação;
mas o suicídio nada repara.
Que
pensar daquele que tira a própria vida com a esperança de chegar mais cedo a
uma vida melhor?
— Outra loucura! Que ele faça o bem e estará mais seguro de
alcançá-la, porque, daquela forma, retarda a sua entrada num mundo melhor e ele
mesmo pedirá para vir completar essa vida que interrompeu por uma falsa ideia.
Uma falta, qualquer que ela seja, não abre jamais o santuário dos eleitos.
O
sacrifício da vida não é às vezes meritório, quando tem por fim salvar a de
outros ou ser útil aos semelhantes?
— Isso é sublime, de acordo com a intenção, e o sacrifício da
vida não é então um suicídio. Mas Deus se opõe a um sacrifício inútil e não
pode vê-lo com prazer, se estiver manchado pelo orgulho. Um sacrifício não é
meritório senão pelo desinteresse, e aquele que o pratica tem às vezes uma
segunda intenção, que lhe diminui o valor aos olhos de Deus.
Comentário de Kardec: Todo
sacrifício feito à custa da própria felicidade é um ato soberanamente meritório
aos olhos de Deus, porque é a prática da lei de caridade. Ora, sendo a vida o
bem terreno a que o homem dá maior valor, aquele que a ela renuncia pelo bem
dos seus semelhantes não comete um atentado: é um sacrifício que ele realiza.
Mas antes de o realizar deve refletir se a sua vida não poderá ser mais útil do
que a sua morte.
O homem
que perece como vítima do abuso das paixões que, como o sabe, deve abreviar o
seu fim, mas às quais não tem mais o poder de resistir, porque o hábito as
transformou em verdadeiras necessidades físicas, comete um suicídio?
— É um suicídio moral. Não compreendeis que o homem, neste caso,
é duplamente culpado? Há nele falta de coragem e bestialidade, e além disso o
esquecimento de Deus.
É mais
ou é menos culpado do que aquele que corta a sua vida por desespero?
— É mais culpado, porque teve tempo de raciocinar sobre o seu
suicídio. Naquele que o comete instantaneamente há às vezes uma espécie de
desvario que se aproxima da loucura; o outro será muito mais punido, porque as
penas são sempre proporcionadas à consciência que se tenha das faltas
cometidas.
Quando
uma pessoa vê à sua frente uma morte inevitável e terrível, é culpada por
abreviar de alguns instantes o seu sofrimento por uma morte voluntária?
— Sempre se é culpado de não esperar o termo fixado por Deus.
Aliás, haverá certeza de que ele tenha chegado, malgrado as aparências, e não
se pode receber um socorro inesperado no derradeiro momento?
Concebe-se
que, em circunstâncias ordinárias, seja o suicídio repreensível, mas figuramos
o caso em que a morte é inevitável e em que a vida só é abreviada por alguns
instantes.
— É sempre uma falta de resignação e de submissão à vontade do
Criador.
Nesse
caso, quais são as consequências de tal ação?
— Uma expiação proporcional à gravidade da falta, segundo as
circunstâncias, como sempre.
Uma
imprudência que compromete a vida sem necessidade é repreensível?
— Não há culpabilidade quando não há a intenção ou a consciência
positiva de fazer o mal.
As
mulheres que, em certos países, se queimam voluntariamente sobre os corpos de
seus maridos, podem ser consideradas como se tendo suicidado e sofrem as
consequências disso?
— Elas obedecem a um preconceito e geralmente o fazem mais pela
força do que pela própria vontade. Acreditam cumprir um dever, o que não é
característica do suicídio. Sua escusa está na falta de formação moral da
maioria delas e na sua ignorância. Essas usanças bárbaras e estúpidas
desaparecem com a civilização.
Os que,
não podendo suportar a perda de pessoas queridas, se matam na esperança de se
juntarem a elas, atingem o seu objetivo?
— O resultado para elas é bastante diverso do que esperam, pois
em vez de se unirem ao objeto de sua afeição, dele se afastam por mais tempo,
porque Deus não pode recompensar um ato de covardia e o insulto que lhe é
lançado com a dúvida quanto à sua providência. Eles pagarão esse instante de
loucura com aflições ainda maiores do que aquelas que quiseram abreviar, e não
terão para os compensar a satisfação que esperavam.
Quais
são, em geral, as consequências do suicídio sobre o estado do Espírito?
— As consequências do suicídio são as mais diversas. Não há
penalidades fixadas e em todos os casos elas são sempre relativas às causas que
o produziram. Mas uma consequência a que o suicida não pode escapar é o
desapontamento. De resto, a sorte não é a mesma para todos, dependendo das
circunstâncias. Alguns expiam sua falta imediatamente, outros numa nova
existência, que será pior do que aquela cujo curso interromperam.
Comentário de Kardec: A
observação mostra, com efeito, que as consequências do suicídio não são sempre
as mesmas. Há, porém, as que são comuns a todos os casos de morte violenta, as
que decorrem da interrupção brusca da vida. É primeiro a persistência mais
prolongada e mais tenaz do laço que liga o Espírito e o corpo, porque esse laço
está quase sempre em todo o seu vigor no momento em que foi rompido, enquanto
na morte natural se enfraquece gradualmente e em geral até mesmo se desata
antes da extinção completa da vida. As consequências desse estado de coisas são
o prolongamento da perturbação espírita, seguido da ilusão que, durante um
tempo mais ou menos longo, faz o Espírito acreditar que ainda se encontra no
número dos vivos.
A afinidade que persiste entre o Espírito e o corpo produz, em
alguns suicidas, uma espécie de repercussão do estado do corpo sobre o
Espírito, que assim ressente, malgrado seu, os efeitos da decomposição,
experimentando uma sensação cheia de angústias e de horror. Esse estado pode
persistir tão longamente quanto tivesse de durar a vida que foi interrompida.
Esse efeito não é geral; mas em alguns casos o suicida não se livra das
consequências da sua falta de coragem e cedo ou tarde expia essa falta, de uma
ou de outra maneira. É assim que certos Espíritos, que haviam sido muito
infelizes na Terra, disseram haver se suicidado na existência precedente e
estar voluntariamente submetidos a novas provas, tentando suportá-las com mais
resignação. Em alguns é uma espécie de apego à matéria, da qual procuram
inutilmente desembaraçar-se para se dirigirem a mundos melhores, mas cujo
acesso lhes é interditado. Na maioria é o remorso de haverem feito uma coisa
inútil, da qual só provam decepções.
A religião, a moral, todas as Filosofias condenam o suicídio
como contrário à lei natural. Todas nos dizem, em princípio, que não se tem o
direito de abreviar voluntariamente a vida. Mas por que não se terá esse
direito? Por que não se é livre de pôr um termo aos próprios sofrimentos?
Estava reservado ao Espiritismo demonstrar, pelo exemplo dos que sucumbiram, que
o suicídio não é apenas uma falta como infração a uma moral, consideração que
pouco importa para certos indivíduos, mas um ato estúpido, pois que nada ganha
quem o pratica e até pelo contrário. Não é pela teoria que ele nos ensina isso,
mas pelos próprios fatos que coloca sob os nossos olhos*.
BIBLIOGRAFIA.
O LIVRO DOS ESPÍRITOS.CAPÍTULO I. MATÉRIA DIVULGADA PELO MÉDIUM GETULIO PACHECO
QUADRADO.
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