O Livro dos Espíritos
por ALLAN KARDEC – tradução de José Herculano Pires
III – A Doutrina E Seus Contraditores.
Por Allan Kardec.
A Doutrina
Espírita, como toda novidade, tem seus adeptos e seus contraditores. Tentaremos
responder a algumas das objeções destes últimos, examinando o valor das razões
em que se apoiam, sem termos, entretanto, a pretensão de convencer a todos,
pois há pessoas que acreditam que a luz foi feita somente para elas.
Dirigimo-nos às pessoas de boa fé, sem ideias preconcebidas ou posições
firmadas mas sinceramente desejosas de se instruírem, e lhes demonstraremos que
a maior parte das objeções que fazem à doutrina provêm de uma observação
incompleta dos fatos e de um julgamento formado com muita ligeireza e
precipitação.
Recordaremos inicialmente, em breves palavras, a
série progressiva de fenômenos que deram origem a esta doutrina.
O primeiro fato observado foi o movimento de
objetos; designaram-no vulgarmente com o nome de mesas girantes ou dança
das mesas. Esse fenômeno, que parece ter sido observado primeiramente
na América, ou melhor, que se teria repetido nesse país, porque a História prova
que ele remonta à mais alta Antiguidade, produziu-se acompanhado de
circunstâncias estranhas, como ruídos insólitos e golpes desferidos sem uma
causa ostensiva, conhecida. Dali, propagou-se rapidamente pela Europa e por
outras partes do mundo; a princípio provocou muita incredulidade, mas a
multiplicidade das experiências em breve não mais permitiu que se duvidasse da
sua realidade.
Se esse fenômeno se tivesse restringido ao
movimento de objetos materiais, poderia ser explicado por uma causa puramente
física. Estamos longe de conhecer todos os agentes ocultos da Natureza e mesmo
todas as propriedades dos que já conhecemos; a eletricidade, aliás, multiplica
diariamente ao infinito os recursos que oferece ao homem e parece dever
iluminar a ciência com uma nova luz. Não haveria, portanto, nada de impossível
em que a eletricidade, modificada por certas circunstâncias, ou qualquer outro
agente desconhecido, fosse a causa desse movimento. A reunião de muitas
pessoas, aumentando o poder de ação, parecia dar apoio a essa teoria porque se
poderia considerar essa reunião como uma pilha múltipla, em que a potência
corresponde ao número de elementos.
O movimento circular nada tinha de extraordinário:
pertence à Natureza. Todos os astros se movem circularmente; poderíamos, pois,
estar em face de um pequeno reflexo do movimento geral do Universo; ou, melhor
dito, uma causa até então desconhecida poderia produzir acidentalmente, nos
pequenos objetos e em dadas circunstâncias, uma corrente análoga à que
impulsiona os mundos.
Mas o movimento não era sempre circular. Frequentemente
era brusco, desordenado, o objeto violentamente sacudido, derrubado, conduzido
numa direção qualquer e, contrariamente a todas as leis da estática, suspenso e
mantido no espaço. Não obstante, nada havia ainda nesses fatos que não pudesse
ser explicado pelo poder de um agente físico invisível. Não vemos a
eletricidade derrubar edifícios, arrancar árvores, lançar a distância os corpos
mais pesados, atraí-los ou repeli-los?
Supondo-se que os ruídos insólitos e os golpes não
fossem efeitos comuns da dilatação da madeira ou de qualquer outra causa
acidental, poderiam ainda muito bem ser produzidos por acumulação do fluido
oculto. A eletricidade não produz os ruídos mais violentos?
Até esse momento, como se vê, tudo pode ser
considerado no domínio dos fatos puramente físicos e fisiológicos. E sem sair
dessa ordem de ideias, ainda haveria matéria para estudos sérios, digna de
prender a atenção dos sábios. Por que não aconteceu assim? É penoso dizer, mas
o fato se liga a causas que provam, entre mil outras semelhantes, a leviandade
do espírito humano. De início, a vulgaridade do objeto principal que serviu de
base às primeiras experiências talvez não lhe seja estranha. Que influência não
teve uma simples palavra, muitas vezes, sobre coisas mais graves! Sem
considerar que o movimento poderia ser transmitido a um objeto qualquer,
prevaleceu a ideias da mesa, sem dúvida por ser o objeto mais cômodo e porque
todos se sentam mais naturalmente em torno de uma mesa que de qualquer outro
móvel. Ora, os homens superiores são às vezes tão pueris que não seria
impossível certos espíritos de elite se julgarem diminuídos, se tivessem de
ocupar-se daquilo que se convencionaria chamar a dança das mesas. É
mesmo provável que, se o fenômeno observado por Galvani o tivesse sido por
homens vulgares e caracterizado por um nome burlesco, estivesse ainda relegado
ao lado da varinha mágica. Qual o sábio que não se teria julgado diminuído ao
ocupar-se da dança das rãs’?
Alguns, entretanto, bastante modestos para
aceitarem que a Natureza poderia não lhes ter dito a última palavra, quiseram
ver para tranquilidade de consciência. Mas aconteceu que o fenômeno nem sempre
correspondeu à sua expectativa, e por não se ter produzido constantemente, à
sua vontade e segundo a sua maneira de experimentação, concluíram eles pela
negativa. Malgrado, porém, a sua sentença, as mesas, pois que há mesas,
continuam a girar, e podemos dizer com Galileu: “Contudo, elas se
movem”. Diremos ainda que os fatos se multiplicaram de tal modo que
têm hoje direito de cidadania, e que se trata apenas de encontrar para eles uma
explicação racional.
Pode-se induzir qualquer coisa contra a realidade
do fenômeno pelo fato de ele não se produzir sempre de maneira idêntica, segundo
a vontade e as exigências do observador? Os fenômenos de eletricidade e de
química não estão subordinados a determinadas condições e devemos negá-los
porque não se produzem fora delas? Devemos estranhar que o fenômeno do
movimento de objetos pelo fluido humano tenha também as suas condições e deixe
de se produzir quando o observador, firmado no seu ponto de vista, pretende
fazê-lo seguir ao seu capricho ou sujeitá-lo à leis dos fenômenos comuns, sem
considerar que, para fatos novos, pode e deve haver novas leis? Ora, para
conhecer essas leis, é necessário estudar as circunstâncias em que os fatos se
produzem e esse
estudo não pode ser feito sem uma observação perseverante, atenta, e por vezes
bastante prolongada.
Mas, objetam
algumas pessoas, há frequentemente fraudes visíveis. Perguntaremos inicialmente
se estão bem certas de que há fraudes e se não tomaram por fraudes efeitos que
não conseguiram apreender, mais ou menos como o camponês que tomava um sábio
professor de física, fazendo experiências, por um destro escamoteador. E mesmo
supondo-se que as fraudes tenham ocorrido algumas vezes, seria isso razão para
negar o fato? Deve-se negar a Física porque há prestidigitadores que se
enfeitam com o título de físicos? É necessário, ao demais, considerar o caráter
das pessoas e o interesse que elas poderiam ter em enganar. Seria tudo, então,
simples brincadeira? Pode-se muito bem brincar um instante, mas uma brincadeira
indefinidamente prolongada seria tão fastidiosa para o mistificador como para o
mistificado. Haveria, além disso, uma mistificação que se propaga de um extremo
a outro do mundo e, entre as pessoas mais graves, mais veneráveis e
esclarecidas, alguma coisa pelo menos tão extraordinária quanto o próprio
fenômeno.
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