O LIVRO DOS ESPÍRITOS. CAPÍTULO XII.PERFEIÇÃO MORAL. DO EGOÍSMO.
913. Entre os
vícios, qual o que podemos considerar radical?
— Já o dissemos
muitas vezes: o egoísmo. Dele deriva todo o mal. Estudai todos os vícios e
vereis que no fundo de todos existe egoísmo. Por mais que luteis contra eles
não chegareis a extirpá-los enquanto não os atacardes pela raiz, enquanto não
lhes houverdes destruído a causa. Que todos os vossos esforços tendam para esse
fim, porque nele se encontra a verdadeira chaga da sociedade. Quem nesta vida
quiser se aproximar da perfeição moral deve extirpar do seu coração todo
sentimento de egoísmo, porque é incompatível com a justiça, o amor e a
caridade: ele neutraliza todas as outras qualidades.
914. Estando o
egoísmo fundado no interesse pessoal, parece difícil extirpá-lo inteiramente do
coração do homem. Chegaremos a isso?
— À medida que os
homens se esclarecem sobre as coisas espirituais, dão menos valor às materiais;
em seguida, é necessário reformar as instituições humanas, que o entretêm e
excitam. Isso depende da educação.
915. Sendo o
egoísmo inerente à espécie humana, não será um obstáculo permanente ao reino do
bem absoluto sobre a Terra?
— É certo que o
egoísmo é o vosso mal maior, mas ele se liga à inferioridade dos Espíritos
encarnados na Terra e não à Humanidade em si mesma. Ora, os Espíritos se
purificam nas encarnações sucessivas, perdendo o egoísmo assim como perdem as
outras impurezas. Não tendes na Terra algum homem destituído de egoísmo e
praticante da caridade? Existem em maior número do que julgais, mas conheceis
poucos porque a virtude não se procura fazer notar. E se há um, por que não
haverá dez; se há dez, por que não haverá mil, e assim por diante?
916. O egoísmo,
longe de diminuir, cresce com a civilização, que parece excitá-lo e entretê-lo.
Como poderá a causa destruir o efeito?
— Quanto maior é o
mal, mais horrível se torna. Era necessário que o egoísmo produzisse muito mal
para fazer compreender a necessidade de sua extirpação. Quando os homens se
tiverem despido do egoísmo que os domina viverão como irmãos, não se fazendo o
mal e se ajudarão reciprocamente pelo sentimento fraterno de solidariedade.
Então o forte será o apoio e não o opressor do fraco e não mais se verá homens
desprovidos do necessário, porque todos praticarão a lei da justiça. Esse é o
reino do bem que os Espíritos estão encarregados de preparar.
917. Qual é o meio
de se destruir o egoísmo?
— De todas as
imperfeições humanas, a mais difícil de desenraizar é o egoísmo, porque se liga
à influência da matéria, da qual o homem, ainda muito próximo da sua origem,
não pode libertar-se. Tudo concorre para entreter essa influência; suas leis,
sua organização social, sua educação. O egoísmo se enfraquecerá com a
predominância da vida moral sobre a vida material, e sobretudo com a
compreensão que o Espiritismo vos dá quanto ao vosso estado futuro real e não
desfigurado pelas ficções alegóricas. O Espiritismo bem compreendido, quando
estiver identificado com os costumes e as crenças, transformará os hábitos, as
usanças e as relações sociais. O egoísmo se funda na importância da
personalidade; ora, o Espiritismo bem compreendido, repito-o, faz ver as coisas
de tão alto que o sentimento da personalidade desaparece de alguma forma
perante a imensidade. Ao destruir essa importância, ou pelo menos ao fazer ver
a personalidade naquilo que de fato ela é, ele combate necessariamente o
egoísmo.
É o contato que o
homem experimenta do egoísmo dos outros que o torna geralmente egoísta, porque
sente a necessidade de se pôr na defensiva. Vendo que os outros pensam em si
mesmos e não nele, é levado a ocupar-se de si mesmo mais que dos outros. Que o
princípio da caridade e da fraternidade seja a base das instituições sociais,
das relações legais de povo para povo e de homem para homem, e este pensará
menos em si mesmo quando vir que os outros o fazem; sofrerá, assim, a
influência moralizadora do exemplo e do contato. Em face do atual desdobramento
do egoísmo é necessária uma verdadeira virtude para abdicar da própria
personalidade em proveito dos outros, que em geral não o reconhecem. É a esses,
sobretudo, que possuem essa virtude, que está aberto o reino dos céus; a eles
sobretudo está reservada a felicidade dos eleitos, pois em verdade vos digo que
no dia do juízo quem quer que não tenha pensado senão em si mesmo será posto de
lado e sofrerá no abandono.
FÉNELON
Comentário de
Kardec: Louváveis esforços são feitos, sem dúvida, para ajudar a
Humanidade a avançar; encorajam-se, estimulam-se, honram-se os bons
sentimentos, hoje mais do que em qualquer outra época, e não obstante o verme
devorador do egoísmo continua a ser a praga social. É um verdadeiro mal que se
espalha por todo o mundo e do qual cada um é mais ou menos vítima. É necessário
combatê-lo, portanto, como se combate uma epidemia. Para isso, deve-se proceder
à maneira dos médicos: remontar à causa. Que se pesquisem em toda a estrutura
da organização social, desde a família até aos povos, da choupana ao palácio,
todas as causas, as influências patentes ou ocultas que excitam, entretêm e
desenvolvem o sentimento do egoísmo. Uma vez conhecidas as causas, o remédio se
apresentará por si mesmo; só restará então combatê-las, senão a todas ao mesmo
tempo, pelo menos por parte, e pouco a pouco o veneno será extirpado. A cura
poderá ser prolongada porque as causas são numerosas, mas não se chegará a esse
ponto se não se atacar o mal pela raiz, ou seja, com a educação. Não essa
educação que tende a fazer homens instruídos, mas a que tende a fazer homens de
bem. A educação, se for bem compreendida, será a chave do progresso moral.
Quando se conhecer a arte de manejar os caracteres como se conhece a de manejar
as inteligências, poder-se-á endireitá-los, da mesma maneira como se endireitam
as plantas novas. Essa arte, porém, requer muito tato, muita experiência e uma
profunda observação. É um grave erro acreditar que basta ter a ciência para
aplicá-la de maneira proveitosa. Quem quer que observe, desde o instante do seu
nascimento, o filho do rico como o do pobre, notando todas as influências
perniciosas que agem sobre ele em consequência da fraqueza, da incúria e da
ignorância dos que o dirigem, e como em geral os meios empregados para
moralizar fracassam, não pode admirar-se de encontrar no mundo tanta confusão.
Que se faça pela moral tanto quanto se faz pela inteligência e ver-se-á que há
naturezas refratárias, há também, em maior número do que se pensa, as que
requerem apenas boa cultura para darem bons frutos.
O homem quer ser
feliz e esse sentimento está na sua própria natureza; eis por que ele trabalha
sem cessar para melhorar a sua situação na Terra e procura as causas de seus
males para os remediar. Quando compreender bem que o egoísmo é uma dessas
causas, aquela que engendra o orgulho, a ambição, a cupidez, a inveja, o ódio,
o ciúme, dos quais a todo momento ele é vítima, que leva a perturbação a todas
as relações sociais, provoca as dissensões, destrói a confiança, obrigando-o a
se manter constantemente numa atitude de defesa em face ao seu vizinho, e que,
enfim, do amigo faz um inimigo, então ele compreenderá também que esse vício é
incompatível com a sua própria felicidade. Acrescentaremos que é incompatível
com a sua própria segurança. Dessa maneira, quanto mais sofrer mais sentirá a
necessidade de o combater, como combate a peste, os animais daninhos e todos os
outros flagelos. A isso será solicitado pelo seu próprio interesse.
O egoísmo é a fonte
de todos os vícios, como a caridade é a fonte de todas as virtudes. Destruir um
e desenvolver a outra deve ser alvo de todos os esforços do homem, se ele
deseja assegurar a sua felicidade neste mundo, tanto quanto no futuro.
BIBLIOGRAFIA. O
LIVRO DOS ESPÍRITOS.MATÉRIA DIVULGADA PELO MÉDIUM GETULIO PACHECO QUADRADO.
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