O LIVRO DOS ESPÍRITOS. PARTE SEGUNDA. MUNDO ESPÍRITA OU DOS ESPÍRITOS.
CAPÍTULO I. DOS ESPÍRITOS. ANJOS E DEMÔNIOS.
Os seres
que chamamos anjos, arcanjos, serafins não formam uma categoria especial, de
natureza diferente da dos outros Espíritos.
São Espíritos puros: e estão no mais
alto grau da escala e reúnem em si todas as perfeições.
Comentário
de Kardec: A palavra anjo desperta
geralmente a ideia da perfeição moral; não obstante é frequentemente aplicado a
todos os seres, bons e maus, que existam fora da Humanidade. Diz-se: o bom e o
mau anjo; o anjo da luz e o anjo das trevas; e nesse caso ela é sinônima
de Espírito ou de gênio. Tomamo-la aqui na sua significação boa.
Os anjos também
percorreram todos os graus. Mas, como já foi dito: uns aceitaram a
sua missão sem lamentar e chegaram mais depressa; outros empregaram
maior ou menor tempo para chegar à perfeição.
Quanto à
opinião de que há seres criados perfeitos e superiores a todos os outros é
errônea, a explicação que se da de como eles figuram na tradição de quase todos
os povos, é o seguinte:
Que muito antes deles existirem já
havia Espíritos no grau supremo; por isso que os seres humanos acreditam que
eles sempre haviam sido perfeitos.
Quanto ao
tal demônio no sentido que se dá a essa palavra, podemos dizer que se houvessem
demônios, eles teriam de ser obra de Deus. E será que Deus seria justo e
bom, criando seres infelizes, eternamente voltados ao mal? Isto só pode existir
na imaginação de seres hipócritas que fazem de um Deus justo, um Deus mau e
vingativo, e que pensam lhe ser agradáveis pelas abominações que cometem,
em seu nome.
Comentário
de Kardec: A palavra demônio não implica
a ideia de Espírito mau, a não ser na sua acepção moderna, porque o termo
grego dáimon. de que ela deriva, significa gênio, inteligência,
e se aplicou aos seres incorpóreos, bons ou maus sem distinção.
Os demônios, segundo a significação
vulgar do termo, seriam entidades essencialmente malfazejas, e seriam como
todas as coisas, criação de Deus. Mas Deus, que é eternamente justo e bom, não
poderia ter criado seres predispostos ao mal por sua própria natureza, e
condenados pela eternidade. Se não fosse obra de Deus, seriam eternos como Ele,
e nesse caso haveria muitas potências soberanas.
A primeira condição de toda doutrina
é a de ser lógica; ora, a dos demônios, no seu sentido absoluto, falha neste
ponto essencial. Que, na crença dos povos atrasados, que não conheciam os
atributos de Deus, admitindo divindades malfazejas, também se admitissem os
demônios, é concebível; mas para quem quer que faça da bondade de Deus um
atributo por excelência, é ilógico e contraditório supor que Ele tenha criado
seres voltados ao mal e destinados a praticá-lo perpetuamente, porque isso
seria negar a sua bondade. Os partidários do demônio se apoiam nas palavras do
Cristo e não seremos nós que iremos contestar a autoridade dos seus ensinos,
que desejaríamos ver mais no coração do que na boca dos seres humanos; mas
estariam bem certos do sentido que ele atribuía à
palavra demônio? Não se sabe que a forma alegórica é uma das
características da sua linguagem? Tudo o que o Evangelho contém deve ser tomado
ao pé da letra? Não queremos outra prova, além desta passagem; outra coisa que
podemos esclarecer, é que se Jesus usou esta palavra no passado, é porque o
povo da época só conheciam este nome, e Jesus teve que se expressar assim:
expulsar demônios”.
Os seres humanos fizeram com os
demônios o mesmo que com os anjos. Da mesma maneira que acreditam na existência
de seres perfeitos desde toda a eternidade, tomaram também os Espíritos
inferiores por seres perpetuamente maus. A palavra demônio deve, portanto, ser
entendida como referente aos Espíritos impuros, que frequentemente não são
melhores que os designados por esse nome, mas com a diferença de ser o seu
estado apenas transitório. São esses os Espíritos imperfeitos que protestam
contra as suas provações e por isso as sofrem por mais tempo, mas chegarão por
sua vez á perfeição, quando se dispuserem a tanto. Poderíamos aceitar a palavra
demônio com esta restrição. Mas, como ela é agora entendida num sentido
exclusivo, poderia induzir em erro, dando margem á crença na existência de
seres criados especialmente para o mal.
A propósito de Satanás, é evidente
que se trata da personificação do mal sob uma forma alegórica, porque não se
poderia admitir um ser maligno lutando de igual para igual com a Divindade, e
cuja única preocupação seria a de contrariar os seus desígnios. Como o ser
humano necessita de imagens e figuras para impressionar a sua imaginação,
pintou os seres incorpóreos com formas materiais dotadas de atributos que
lembram as suas qualidades ou os seus defeitos Foi assim que os antigos,
querendo personificar o Tempo, deram-lhe a figura de um velho com uma foice e uma
ampulheta. Uma figura de jovem, nesse caso, seria um contrassenso. O mesmo se
deu com as alegorias da Fortuna, da Verdade etc. Os modernos representaram os
anjos, os Espíritos puros, numa figura radiosa, com asas brancas, símbolo da
pureza, e Satanás, com chifres, garras e os atributos da bestialidade, símbolos
das paixões. O vulgo, que toma as coisas ao pé da letra, viu nesses símbolos
entidades reais, como outrora tinha visto Saturno na alegoria do Tempo. (1)
(1) Esta
teoria espírita sobre os demônios vai hoje se impondo aos próprios meios
religiosos que mais acirradamente a combateram. EM “O Diabo” o escritor
italiano Giovanni Papini a endossou, apoiado nos Pais da Igreja. O padre Pierre
Theilhard de Chardin, cuja doutrina aproxima a teologia católica da concepção
espírita, considera o Inferno como “polo negativo do mundo”, integrado ao
Pleroma (o mundo divino unido ao corpo místico de Cristo) e assim se refere aos
demônios: O condenado não e excluído do Pleroma, mas apenas da sua face
luminosa e de sua beatitude.
BIBLIOGRAFIA: O
LIVRO DOS ESPÍRITOS.
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