O LIVRO DOS
ESPÍRITOS. PARTE QUARTA ESPERANÇAS E CONSOLAÇÕES. CAPÍTULO II. PENALIDADES E
PRAZERES FUTUROS. DURAÇÃO DAS PENALIDADES FUTURAS.
A duração do
sofrimento do culpado na vida futura é subordinada lei que revela a sabedoria
de Deus e sua bondade.
Deus nunca age de
maneira caprichosa e tudo no Universo é regido pela lei Dele.
O que determina a
duração dos sofrimentos do culpado é o tempo necessário ao seu melhoramento. O estado de sofrimento e de
felicidade sendo proporcional ao grau de pureza de Espírito, a duração e a
natureza dos seus sofrimentos dependem do tempo que ele precisa para se
melhorar. Á medida que ele progride e que os seus sentimentos se depuram, seus
sofrimentos diminuem e se modificam. (São Luís.)
Para o Espírito sofredor o tempo parece mais
longo do que estava encarnado: o sono não existe
para ele. Só para os Espíritos que atingiram certo grau de purificação o tempo
se apaga, por assim dizer, em face do infinito.
A duração dos
sofrimentos do Espírito pode ser eterna, se ele fosse eternamente mau, ou seja, se jamais tivesse de se
arrepender nem de se melhorar. Então, sofreria eternamente. Mas Deus não criou
seres eternamente votados ao mal. Criou-os apenas simples e ignorantes, e todos
devem progredir num tempo mais ou menos longo, de acordo com a própria vontade.
Esta pode ser mais ou menos retardada, assim como há crianças mais ou menos
precoces, mas, cedo ou tarde, ela se manifesta por uma irresistível necessidade
que o Espírito sente em sair da sua inferioridade e ser feliz. A lei que rege a
duração das penas é, portanto, eminentemente sábia e benevolente, pois
subordina essa duração aos esforços do Espírito, jamais lhe tirando o
livre-arbítrio; se dele fez mal uso, sofrerá as consequências disso. (São
Luís.)
Há Espíritos cujo arrependimento
é tardio, mas pretender que jamais se melhorem seria negar a lei do progresso e
dizer que a criança não pode tornar-se adulta. (São Luís.)
A duração das penas
depende sempre da vontade do Espírito, mas as penas que lhe podem ser impostas por determinado tempo, Deus, que não
deseja senão o bem de suas criaturas, aceita sempre o arrependimento, e o
desejo de se melhorar nunca é estéril. (São Luís)
Segundo isso, as penas impostas jamais seriam
eternas.
Compreendamos bem essa palavra? Sofrimento, tortura sem fim e sem
esperança, apenas por algumas faltas! Não repugna ao nosso próprio critério
semelhante pensamento? Que os antigos tivessem visto no Senhor do Universo um
Deus terrível, invejoso e vingativo, compreende-se; na sua ignorância
emprestaram à divindade as paixões dos seres humanos. Mas não é esse o Deus dos
cristãos, que coloca o amor, a caridade, a misericórdia, o esquecimento das
ofensas no plano das primeiras virtudes: poderia Ele mesmo não ter as qualidades
que exige como um dever? Não há contradição em se lhe atribuir à bondade
infinita e a vingança infinita? Dizeis que antes de tudo Ele é justo e que o ser
humano não compreende a sua justiça. Mas a justiça não exclui a bondade, e Deus
não seria bom se destinasse às penas horríveis e perpétuas a maioria de suas
criaturas. Poderia fazer da justiça uma obrigação para seus filhos, se não lhes
desse os meios de compreendê-la? Aliás, não é sublime a justiça unida à
bondade, que faz. A duração das penas depende dos esforços do culpado para se
melhorar? Nisto se encontra a verdade do preceito: “A cada um segundo as suas
obras”. (Santo Agostinho)
Empenhai-vos por todos os meios ao nosso alcance no combate, no
aniquilamento da ideia da eternidade das penas, pensamento blasfemo da
justiça e da bondade de Deus, a mais fecunda fonte da incredulidade, do
materialismo e da indiferença que invadiram as massas, desde que a sua
inteligência começou a se desenvolver. O Espírito prestes a se esclarecer, ou
ainda em vias de fazê-lo, bem logo compreendeu a monstruosa injustiça. Sua
razão a repele e então raramente deixa de confundir numa mesma condenação a
pena que o revolta e o Deus a que é atribuída. Disso decorrem os males sem
conta que recaíram sobre nós e para os quais viemos trazer o remédio. A tarefa
que nos assinalamos será tanto mais fácil quanto as autoridades em que se apoiam
os defensores dessa crença, evitaram se pronunciar de modo formal. Nem os
concílios, nem os Pais da Igreja decidiram de maneira absoluta essa grave
questão. Se de acordo com os próprios evangelistas, tornando-se ao pé da letra
as suas palavras alegóricas, o Cristo ameaçou os culpados com o fogo que não se
extingue, com afogo eterno, entretanto, nada existe nessas palavras que provem
tê-los condenado eternamente. Pobres ovelhas desgarradas saibam ver que o Bom
Pastor se aproxima de vós e que, longe de querer banir-vos para sempre da sua
presença, vem ao vosso encontro, para vos reconduzir ao redil. Filhos pródigos
deixem o vosso exílio voluntário. Voltai para a morada paterna: o Pai vos abre
os braços e está sempre pronto para festejar o vosso retorno à família. (Lamennais)
Guerras de palavras! Guerras de palavras! Não tendes feito verter
bastante sangue? Será ainda necessário reacender as fogueiras? Discutem-se as
expressões: eternidade das penas, eternidade dos castigos. Não sabeis então que
aquilo que hoje entendeis por eternidade os antigos não o entendiam da mesma
maneira? Que o teólogo consulte as fontes e como todos vós descobrirá que
o texto hebraico não dava à palavra o mesmo sentido que os gregos, os latinos e
os modernos traduziram por penas sem fim, irremissíveis). A eternidade dos castigos corresponde à
eternidade do mal. Sim, enquanto existir o mal entre os seres subsistirão os
castigos; são em sentido relativo que se devem interpretar os textos sagrados.
A eternidade das penas é, portanto, relativa e não absoluta. Dia virá em que
todos os seres se revestirão pelo arrependimento da roupagem da inocência, e
nesse dia não haverá mais gemidos ou ranger de dentes. Vossa razão é limitada,
isso é verdade, mas, tal qual é, representa um presente de Deus e com a ajuda
da razão não haverá um só ser de boa-fé que compreenda de outra maneira a
eternidade dos castigos. A eternidade dos castigos! Como! Teríamos então de
admitir que o mal fosse eterno. Mas só Deus é eterno e não poderia ter criado o
mal eterno, pois, se assim não fosse, teríamos de destituí-lo do mais belo dos
seus atributos: o soberano poder, porque deixa de ser soberanamente poderoso o
que pode criar um demento destruidor de suas próprias obras. Humanidade,
Humanidade! Não mergulhes mais o teu sombrio olhar nas profundezas da Terra,
buscando os castigos. Chora, espera, expia e refugia-te no pensamento de um Deus
infinitamente bom, absolutamente poderoso e essencialmente justo. (Platão)
Gravitar para a unidade divina, esse é o objetivo da Humanidade. Para
atingi-lo, três coisas lhe são necessárias: a justiça, o amor e a ciência; três
coisas lhe são opostas e contrárias: a ignorância, o ódio e a injustiça). Pois bem, em verdade vos digo que mentis
a esses princípios fundamentais ao comprometer a ideia de Deus com o exagero de
sua severidade, e duplamente a comprometeis, deixando penetrar no Espírito da
criatura o pensamento de que ela possui mais clemência, mansuetude, amor e
verdadeira justiça do que costumais atribuir ao Ser Infinito. Destruís mesmo a ideia
de inferno, tornando-a ridícula e inacessível às vossas crenças, como o é para
os vossos corações o horrendo espetáculo das execuções, das fogueiras e das
torturas da Idade Média. Mas como? É quando a era das represálias cegas já foi
superada pelas legislações humanas que esperais mantê-la numa forma ideal? Oh!,
Crede-me, irmãos em Deus e em Jesus Cristo, crede-me ou resignai-vos a deixar
perecer nas vossas mãos todos os vossos dogmas, para permitir a sua alteração,
ou, então, vivificai-os, abrindo-os aos benéficos eflúvios que os bons
Espíritos derramam neste momento sobre eles. A ideia do inferno com suas
fornalhas ardentes, com suas caldeiras ferventes, pôde ser tolerada ou
admissível num século mitológico; mas no século dezenove não passa de vão
fantasma que só serve para amedrontar as criancinhas, e no qual essas mesmas já
não acreditam quando se tornam um pouco maiores. Persistindo nessa mitologia
apavorante, engendrais a incredulidade, origem de toda a desorganização social;
eis porque tremo ao ver toda uma ordem social abalada e a ruir sobre as
próprias bases por falta de sanção penal. Seres de fé ardente e viva,
vanguardeiros do dia da luz, ao trabalho, pois! Não para manter velhas fábulas
atualmente desacreditadas, mas para reavivar e revitalizar a verdadeira sanção
penal sob formas que correspondam aos vossos costumes, aos vossos sentimentos e
às luzes da vossa época.
Quem é, com efeito,
o culpado? Aquele que por um extravio, por um falso impulso da alma se
distancia do objetivo da Criação, que consiste no culto harmonioso do belo e do
bem idealizado pelo arquétipo humano, pelo seres-deus, por Jesus Cristo.
Qual é o castigo? A
consequência natural decorrente desse falso impulso; uma quantidade de dores necessárias
para fazê-lo aborrecer-se da sua deformação, pela prova do sofrimento. O
castigo é o aguilhão que excita a alma pela amargura a voltar-se sobre si
mesma, a retornar ao caminho da salvação. O objetivo do castigo não é outro
senão a reabilitação, a redenção. Querer que o castigo fosse eterno, por uma
falta que não é eterna, é negar-lhe toda a razão de ser.
Oh!, Em verdade vos digo, cessai, cessai de pôr em paralelo, na
eternidade, o Bem, a essência do Criador, com a Mal, essência da criatura: isso
seria criar uma penalidade injustificável. Afirmai, ao contrário, o
abrandamento gradual dos castigos e das penas pelas transmigrações e consagrareis
pela razão ligada ao sentimento, a unidade divina. (Paulo, o apóstolo)
Comentário de
Kardec: Deseja-se
incitar o ser ao bem e desviá-lo do mal pelo engodo das recompensas e o temor
dos castigos, mas se esses castigos são apresentados de maneira que a razão
repele, não terão sobre ele nenhuma influência. Longe disso, ele rejeitará
tudo: a forma e o fundo. Que se lhe apresente, pelo contrário, o futuro de uma
forma lógica e ele não o recusará. O Espiritismo lhe dá essa explicação.
A doutrina da eternidade das penas, no seu sentido absoluto, faz do ser
supremo um Deus implacável. Seria lógico dizer-se que um soberano é muito bom
muito benevolente, muito indulgente, que não deseja senão a felicidade dos que
o rodeiam, mas que ao mesmo tempo é invejoso, vingativo, de um rigor inflexível
e que pune com o suplicio máximo três quartas partes de seus súditos por uma
ofensa ou uma infração às suas leis, ainda mesmo aqueles que faliram por não as
conhecer? Não seria isso uma contradição? Pois bem. Deus pode ser menos do que
o seria um ser humano?
Outra contradição se apresenta neste caso. Desde que Deus tudo sabe,
sabia então, ao criar uma alma, que ela teria de falir; ela estava desde a
formação destinada à infelicidade eterna: isto é possível, é racional? Com a
doutrina das penas relativas, tudo se justifica. Deus sabia, sem dúvida, que
ela teria de falir, mas lhe dá os meios de se esclarecer por sua própria
experiência e pelas suas próprias faltas. É necessário que ela expie os seus
erros para melhor se firmar no bem, mas a porta da esperança jamais lhe será
fechada e Deus faz depender o momento da sua libertação dos esforços que ela
fizer para atingi-lo. Eis o que todos podem compreender, o que a lógica mais
meticulosa pode admitir. Se as penas futuras tivessem sido apresentadas dessa
maneira, haveria muito menos céticos.
A palavra eterna é
quase sempre empregada na linguagem comum em sentido figurado, para designar
uma coisa de longa duração e da qual não se prevê o termo, embora se saiba
muito bem que esse termo existe. Dizemos, por exemplo, os gelos eternos das
altas montanhas, dos polos, embora saibamos, de um lado, que o mundo físico
pode ter um fim, e de outra parte, que o estado dessas regiões pode
modificar-se pelo deslocamento normal do eixo da Terra ou por um cataclismo. A
palavra eterno, neste caso, não quer dizer duração infinita. Quando sofremos
uma longa doença, dizemos que o nosso mal é eterno. Que há, pois, para admirar,
se os Espíritos que sofrem desde muitos anos, desde séculos, e até mesmo de
milhares de anos, também digam assim? Não nos esqueçamos, sobretudo, de que a
sua inferioridade não lhes permitindo ver o termo da rota, eles creem sofrer
para sempre, o que é para eles uma punição.
De resto, a doutrina do fogo material, das fornalhas e das torturas
emprestadas ao Tártaro do paganismo, está hoje completamente abandonada pela
alta Teologia. Apenas nas escolas esses apavorantes quadros alegóricos são
ainda apresentados como verdades positivas por alguns seres humanos mais
zelosos do que esclarecidos. E isso muito erroneamente, pois as imaginações
jovens, uma vez passado o terror, poderão aumentar o número dos incrédulos. A
Teologia reconhece hoje que a palavra fogo é empregada em sentido figurado,
devendo ser entendida como fogo moral.) Os que, como nós, acompanharam as
peripécias da vida e dos sofrimentos do além-túmulo através das comunicações
espíritas puderam convencer-se de que, por não terem nada de material, elas não
são menos pungentes). A respeito mesmo da sua duração, alguns
teólogos começam a admiti-las no sentido restritivo que indicamos acima e
pensam que, de fato, a palavra eterno pode referir-se às penas em si mesmas,
como consequência de uma lei imutável e não na sua aplicação a cada indivíduo.
No dia em que a religião admitir essa interpretação, bem como outras que são
igualmente a consequência do progresso das luzes, reconduzirá ao seu seio
muitas ovelhas desgarradas).
BIBLIOGRAFIA: O LIVRO DOS ESPÍRITOS.
0 comentários:
Postar um comentário
ESTAMOS DISPOSIÇÃO DOS AMIGOS PARA ESCLARECER QUALQUER DÚVIDA.