O
LIVRO DOS ESPÍRITOS. CAPÍTULO VIII.
O SONO E OS SONHOS.
O Espírito
encarnado não permanece voluntariamente no envoltório corporal.
É como perguntar se o prisioneiro
está satisfeito sob as chaves. O Espírito encarnado aspira incessantemente
à libertação, e quanto mais grosseiro é o envoltório, mais deseja ver-se
desembaraçado.
Durante o
sono, a alma não repousa como o corpo.
O Espírito jamais fica inativo.
Durante o sono, os liames que o unem ao corpo se afrouxam e o corpo não
necessita do Espírito. Então, ele percorre o espaço e entra em
relação mais direta com os outros Espíritos.
Podemos
julgar da liberdade do Espírito durante o sono
pelos sonhos. Devemos saber que,
quando o corpo repousa, o Espírito dispõe de mais faculdades que no estado
de vigília. Tem a lembrança do passado e, às vezes, a previsão do futuro;
adquire mais poder e pode entrar em comunicação com os outros
espíritos, seja deste mundo, seja de outro.
Frequentemente dizemos: “Tive um
sonho bizarro, um sonho horrível, mas que não tem nenhuma
verossimilhança”. Enganamo-nos. É quase sempre uma lembrança de lugares e
de coisas que vimos ou que veremos numa outra existência ou em outra
ocasião. O corpo estando adormecido, o Espírito trata de quebrar as suas
cadeias para investigar no passado ou no futuro.
Pobres seres humanos que somos, que
conhecemos tão pouco dos mais ordinários fenômenos da vida! Acreditamos
sermos muito sábios, e as coisas mais vulgares nos embaraçam. A esta
pergunta de todas as crianças: “O que é que fazemos quando dormimos; o que
são os sonhos?”, ficamos sem resposta.
O sono liberta parcialmente a alma do
corpo. Quando o ser humano dorme, momentaneamente se encontra no estado em que
estará de maneira permanente após a morte. Os Espíritos que logo se
desprendem da matéria, ao morrerem, tiveram sonhos inteligentes. Esses
Espíritos, quando dormem, procuram a sociedade dos que lhes são superiores:
viajam, conversam e se instruem com eles; trabalham mesmo em obras que
encontram concluídas, ao morrer. Destes fatos devemos aprender, uma vez
mais, a não ter medo da morte, pois morremos todos os dias, segundo a
expressão de um santo Espírito. Isto para os Espíritos elevados; pois a massa
dos seres humanos que com a morte, devem permanecer longas horas nessa
perturbação, nessa incerteza de que lhes têm falado, vão seja a mundos
inferiores à Terra, onde antigas afeições os chamam, seja à procura de
prazeres talvez ainda mais baixos do que possuíam aqui; vão beber
doutrinas ainda mais vis, mais ignóbeis, mais nocivas do que as que
professavam entre nós. E o que engendra a simpatia na Terra não é outra
coisa senão o fato de nos sentirmos, ao acordar, ligados pelo coração àqueles
com quem acabamos de passar oito ou nove horas de felicidade ou de prazer.
O que explica também as antipatias invencíveis é que sentimos, no fundo do
coração, que essas pessoas têm uma consciência diversa da nossa, porque as
conhecemos sem jamais as ter visto. E ainda o que explica a indiferença,
pois não procuramos fazer novos amigos, quando sabemos ter os que nos amam
e nos querem. Numa palavra: o sono influi mais do que pensamos, sobre a
nossa vida.
Por efeito do sono, os Espíritos
encarnados estão sempre em relação com o mundo dos Espíritos, e é isso o
que faz que os Espíritos superiores consintam, sem muita repulsa, em
encarnar-se entre nós. Deus quis que durante o seu contato com o vício
pudessem eles retemperar-se na fonte do bem, para não falirem, eles que
vinham instruir os outros. O sono é a porta que Deus lhes abriu para o
contato com os seus amigos do céu; é o recreio após o trabalho, enquanto
esperam o grande livramento, a libertação final que deve restituí-los ao
seu verdadeiro meio.
O sonho é a lembrança do que o nosso
Espírito viu durante o sono; mas observemos que nem sempre sonhamos,
porque nem sempre nos lembramos daquilo que vimos ou de tudo o que vimos.
Isso porque não temos a nossa alma em todo o nosso desenvolvimento; frequentemente
não nos resta mais do que a lembrança da perturbação que acompanha a nossa
partida e a nossa volta, a que se junta a lembrança do que fizemos ou do
que nos preocupa no estado de vigília. Sem isto, como podemos explicar
esses sonhos absurdos a que estamos sujeitos, tanto os mais sábios quanto
os mais simples? Os maus Espíritos também se servem dos sonhos, para
atormentar as almas fracas e pusilânimes.
De resto, veremos dentro em pouco
desenvolver-se uma outra espécie de sonhos; uma espécie tão antiga como a que
conhecemos, mas que ignoramos. O sonho de Joana, o sonho de Jacó, o sonho
dos profetas judeus e de alguns indivíduos indianos: esse sonho é a
lembrança da alma inteiramente liberta do corpo, a recordação dessa
segunda vida de que há pouco nos foi falado.
Procuremos distinguir bem essas duas
espécies de sonhos, entre aqueles de que nos lembramos; sem isso,
cairíamos em contradições e em erros que seriam funestos para a nossa fé.
Comentário de Kardec: Os sonhos são o produto da
emancipação da alma, que se torna mais independente pela suspensão da vida
ativa e de relação. Daí uma espécie de clarividência indefinida, que se
estende aos lugares os mais distantes ou que jamais se viu, e algumas vezes
mesmo a outros mundos. Daí também a lembrança que retraça na memória os
acontecimentos verificados na existência presente ou nas existências
anteriores. A extravagância das imagens referentes ao que se passa ou
se passou em mundos desconhecidos entremeadas de coisas do mundo atual
formam esses conjuntos bizarros e confusos que parecem não ter senso nem nexo.
A incoerência dos
sonhos ainda se explica pelas lacunas decorrentes da lembrança incompleta do
que nos apareceu no sonho. Tal como um relato ao qual se tivessem truncado
frases ou partes de frases ao acaso: os fragmentos restantes sendo reunidos,
perderiam toda significação racionai.
Nem sempre
não nos recordamos dos sonhos, porque o Espírito no sono, ele recobra
um pouco de sua liberdade e se comunica com os que lhe são caros, seja
neste ou em outros mundos. Mas como o corpo é de matéria pesada e
grosseira, dificilmente conserva as impressões recebidas pelo Espírito,
mesmo porque o Espírito não as percebeu pelos órgãos do corpo.
Devemos
pensar da significação atribuída aos sonhos, que eles são verdadeiros no
sentido de apresentarem imagens reais para o Espírito, mas que, frequentemente,
não têm relação com o que se passa na vida corpórea. Muitas vezes são uma
recordação. Podem ser, enfim, algumas vezes, um pressentimento do futuro,
se Deus o permite, ou a visão do que se passa no momento em outro lugar a
que a alma se transporta. Temos numerosos exemplos de pessoas que aparecem
em sonhos para advertir parentes e amigos do que lhes está acontecendo,
que são aparições senão da alma ou do Espírito dessas pessoas que se comunicam
com a nossa. Quando adquirimos a certeza de que aquilo que vimos
realmente aconteceu, não é isso uma prova de que a imaginação nada tem com
o fato, sobretudo se o ocorrido absolutamente não estava no nosso
pensamento durante a vigília.
Frequentemente
vemos em sonhos coisas que parecem pressentimentos e que não se cumprem, porque
podem
cumprir-se para o Espírito, e não se cumprem para o corpo. Quer
dizer que o Espírito vê aquilo que deseja, porque vai procurá-lo. Não
se deve esquecer que, durante o sono, a alma está sempre mais ou menos sob
a influência da matéria, e por conseguinte não se afasta jamais completamente das
ideias terrenas. Disso resulta que as preocupações da vigília podem
dar, àquilo que se vê, a aparência do que se deseja ou do que se teme. A
isso é que realmente se pode chamar um efeito da imaginação. Quando se
está fortemente preocupado com uma ideia, liga-se a ela tudo o que se vê.
Quando
vemos em sonho pessoas vivas que conhecemos, perfeitamente praticarem atos em
que absolutamente não pensam, não é isso um efeito de pura imaginação em que absolutamente
não pensam? Como podemos saber, se seus Espíritos podem vir visitar o
nosso, como o nosso pode visitar os deles, e nem sempre sabemos o que
pensam. Além disso frequentemente aplicamos a pessoas que conhecemos, e
segundo os nossos desejos, aquilo que se passou ou se passa em
outras existências.
Não é estritamente
necessário que o sono se complete, para que haja a emancipação do Espírito. O Espírito recobra
a sua liberdade quando os sentidos se entorpecem; ele aproveita para se
emancipar todos os instantes de descanso que o corpo lhe oferece. Desde
que haja prostração das forças vitais, o Espírito se desprende, e quanto
mais fraco estiver o corpo, mais o Espírito estará livre.
Comentário de Kardec: É assim que o cochilar, ou um simples
entorpecimento dos sentidos, apresenta muitas vezes as mesmas imagens do sonho.
Parece-nos,
às vezes, ouvir cm nosso íntimo palavras pronunciadas distintamente e que não
têm nenhuma relação com o que nos preocupa, sobretudo quando os
sentidos começam a se entorpecer. É, às vezes, o fraco eco de um Espírito
que deseja comunicar-se conosco.
Muitas
vezes num estado que ainda não é o de cochilo, quando temos os olhos ainda fechados,
vemos imagens distintas, figuras das quais apanhamos os pormenores mais
minuciosos, seria um efeito de visão ou de imaginação?
Diríamos que entorpecido o
corpo, o Espírito trata de quebrar a sua cadeia: ele se transporta e vê, e
se o sono fosse completo, isso seria um sonho.
Às vezes,
durante o sono ou do cochilo, ideias que parecem muito boas e que, apesar dos
esforços que fazemos para recordá-las se apagam da memória, são do resultado da
liberdade do Espírito, que se emancipa e goza nesse momento dais mais
amplas faculdades.
Essas ideias geralmente pertencem algumas
vezes, mais ao mundo dos Espíritos que. ao mundo corpóreo, mas o mais frequente
é que se o corpo as esquece. O Espírito as lembra, e a ideia volta no
momento necessário, como uma inspiração do momento.
O Espírito
encarnado, nos momentos em que se desprende da matéria e age como Espírito, muitas vezes pressente
a época da sua morte, e às vezes tem dela uma consciência bastante clara, o que
lhe dá, no estado de vigília, a sua intuição. É por isso que
algumas pessoas preveem às vezes, a própria morte com grande exatidão.
A atividade
do Espírito, durante o repouso ou o sono do corpo, pode se fatigar a este, porque o Espírito
está ligado ao corpo como o balão cativo ao poste. Ora, da mesma maneira
que as sacudidas do balão abalam o poste, a atividade do Espírito reage
sobre o corpo, e pode produzir-lhe fadiga.
BIBLIOGRAFIA: O LIVRO DOS ESPÍRITOS.
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