O LIVRO DOS
ESPÍRITOS. PARTE QUARTA. ESPERANÇAS E CONSOLAÇÕES. CAPÍTULO I. PENALIDADES E
PRAZERES TERRENOS. DESGOSTO DA VIDA. SUICÍDIO.
O desgosto pela vida que
se apodera de alguns indivíduos sem motivos plausíveis trata-se do efeito da ociosidade, da falta de fé
e geralmente da sociedade. Para aqueles que exercem as suas faculdades com um
fim útil e segundo as suas aptidões naturais, o trabalho nada
tem de árido e a vida se escoa mais rapidamente; suportando as suas
vicissitudes com tanto mais paciência e resignação. Quanto mais agem tendo
em vista a felicidade mais sólida é mais durável que os espera.
O ser humano não tem o
direito de dispor da sua própria vida. Somente Deus tem esse direito. O suicídio
voluntário é uma transgressão dessa lei.
O suicídio acontece porque o louco que se mata não sabe o que
faz.
O suicídio que tem por
causa o desgosto da vida trata-se de uma insensatez. Por que se trabalhassem, a sua
existência não lhes teria sido tão pesada.
O suicida que tem por fim
escapar das misérias e às decepções deste mundo são pessoas pobres Espíritos, que não tiveram a
coragem de suportar as misérias da existência! Deus ajuda aos que sofrem e
não aos que não têm força nem coragem. As tribulações da vida são provas ou
expiações. Felizes os que as suportam sem se queixar, porque serão
recompensados! Infelizes, ao contrário, os que esperam uma saída nisso que, na
sua impiedade, chamam de sorte ou acaso! A sorte ou acaso, para me servir de
sua linguagem, podem favorecê-los por um instante, mas somente para lhes fazer
sentir mais tarde, e de maneira mais cruel o vazio de suas palavras.
Os que levaram o
desgraçado a esse ato de desespero sofrerão as consequências disso. Infelizes deles! Porque responderão como por um assassínio.
O ser humano que se vê às
voltas com a necessidade e se deixa morrer de desespero pode ser considerado
como suicida. Mas os
que o causaram ou que o poderiam impedir são mais culpáveis que ele, a
quem a indulgência espera. Não acrediteis, porém, que seja inteiramente
absolvido se lhe faltou à firmeza e a perseverança, e se não fez uso de
toda a sua inteligência para sair das dificuldades. Infeliz
dele, sobretudo, se o seu desespero é filho do orgulho; quero dizer, se é
um desses seres em que o orgulho paralisa os recursos da inteligência e
que se envergonhariam se tivessem de dever a existência ao trabalho das
próprias mãos, preferindo morrer de fome a descer do que chamam a sua
posição social! Não há cem vezes mais grandeza e dignidade em lutar contra
a adversidade, em enfrentar a crítica de um inundo fútil e egoísta, que só
tem boa vontade para aqueles a quem nada falta, e que vos volta às costas
quando dele necessitais? Sacrificar a vida à consideração desse mundo é
uma coisa estúpida, porque ele não se importará com isso.
O suicida que tem por fim
escapar à vergonha de uma ação má é tão repreensível como o que é levado pelo
desespero.
O suicídio não apaga a falta. Pelo contrário, com
ele aparecem duas em lugar de uma. Quando se teve a coragem de praticar o
mal, é preciso tê-la para sofrer as consequências. Deus é quem julga. E,
segundo a causa, pode, às vezes, diminuir o seu rigor.
O suicídio é perdoável
quando tem por fim impedir que a vergonha envolva os filhos ou a família. Mas aquele que assim age não procede bem,
mas acredita que sim, e Deus levará em conta a sua intenção, porque será
uma expiação que a si mesmo se impôs. Ele atenua a sua falta pela
intenção, mas nem por isso deixa de cometer uma falta. De resto, se
abolirdes os abusos da vossa sociedade e os vossos preconceitos, não
tereis mais suicídios.
Comentário
de Kardec: Aquele
que tira a própria vida para fugir à vergonha de uma ação má, prova que tem
mais em conta a estima dos seres humanos que a de Deus, porque vai entrar na vida
espiritual carregado de suas iniquidades, tendo-se privado dos meios de
repará-las durante a vida. Deus é muitas vezes menos inexorável que os seres
humanos: perdoa o arrependimento sincero e leva em conta o nosso esforço de
reparação; mas o suicídio nada repara.
O pensamento sobre aquele
que tira a própria vida com a esperança de chegar mais cedo a uma vida melhor,
podemos dizer tratar-se de outra
loucura! Que ele faça o bem e estará mais seguro de alcançá-la, porque, daquela
forma, retarda a sua entrada num mundo melhor e ele mesmo pedirá para
vir completar essa vida que interrompeu por uma falsa ideia. Uma
falta, qualquer que ela seja, não abre jamais o santuário dos eleitos.
É sublime se sacrificar a
vida, quando tem por fim salvar a de outros ou ser útil aos semelhantes.
Isso de acordo com a intenção, e o sacrifício da
vida não é então um suicídio. Mas Deus se opõe a um sacrifício inútil e
não pode vê-lo com prazer, se estiver manchado pelo orgulho. Um sacrifício
não é meritório senão pelo desinteresse, e aquele que o pratica tem, às
vezes, uma segunda intenção que lhe diminui o valor aos olhos de Deus.
Comentário
de Kardec: Todo
sacrifício feito à custa da própria felicidade é um ato soberanamente meritório
aos olhos de Deus, porque é a prática da lei de caridade. Ora, sendo a vida o
bem terreno a que o ser humano dá maior valor, aquele que a ela renuncia pelo
bem dos seus semelhantes não comete um atentado: é um sacrifício que ele
realiza. Mas antes de realizá-lo deve refletir se a sua vida não poderá ser
mais útil que a sua morte.
É um suicídio moral o ser
humano que perece como vítima do abuso das paixões às quais não tem mais o
poder de resistir, porque o hábito as transformou em verdadeiras necessidades
físicas, comete um suicídio. Neste fator trata-se neste caso de ser duplamente
culpado. Há nele
falta de coragem e bestialidade, e, além disso, o esquecimento de Deus.
É mais culpado do que aquele que corta a sua
vida por desespero, porque
teve tempo de raciocinar sobre o seu suicídio. Naquele que o comete
instantaneamente há às vezes, uma espécie de desvario que se aproxima da
loucura; o outro será muito mais punido, porque as penas são sempre
proporcionadas à consciência que se tenha das faltas cometidas.
Sempre será culpado de
não esperar o tempo fixado por Deus, aquela pessoa que vê à sua frente uma
morte inevitável e terrível, é abrevia de alguns instantes o seu sofrimento,
por uma morte.
Será sempre uma falta de resignação e de submissão
à vontade do Criador.
As consequências de tal ação se trata de uma expiação proporcional à gravidade da
falta, segundo as circunstâncias, como sempre.
Uma imprudência que compromete
a vida sem necessidade não há
culpabilidade quando não há a intenção ou a consciência positiva de fazer
o mal.
As mulheres que, em
certos países, que se queimam voluntariamente sobre os corpos de seus
maridos podem não ser consideradas como tendo se suicidado e não sofrem as consequências
disso, por que:
Porque elas obedecem a um preconceito e geralmente
o fazem mais pela força do que pela própria vontade. Acreditam cumprir um
dever, o que não é característica do suicídio. Sua escusa está na falta de
formação moral da maioria delas e na sua ignorância. Essas usanças
bárbaras e estúpidas desaparecem com a civilização.
Para aqueles que,
não podendo suportar a perda de pessoas queridas, se matam, na esperança de se
juntarem a elas, o resultado
para elas é bastante diverso do que esperam, pois, em vez de se unirem ao
objeto de sua afeição, dele se afastam por mais tempo, porque Deus não
pode recompensar um ato de covardia e o insulto que lhe é lançado com a
dúvida quanto à sua providencia. Eles pagarão esse instante de loucura com
aflições ainda maiores do que aquelas que quiseram abreviar, e não terão
para compensá-los a satisfação que esperavam.
As consequências do suicídio
sobre o estado do Espírito são as
mais diversas. Não há penalidades fixadas e em todos os casos elas são
sempre relativas às causas que o produziram. Mas uma consequência a que o
suicida não pode escapar é o desapontamento. De resto, a sorte não é
a mesma para todos, dependendo das circunstâncias. Alguns expiam sua falta
imediatamente, outros numa nova existência, que será pior que aquela cujo curso
interromperam.
Comentário
de Kardec: A
observação mostra, com efeito, que as consequências do suicídio não são sempre
as mesmas. Há, porém, as que são comuns a todos os casos de morte violenta, as
que decorrem da interrupção brusca da vida. É primeira a persistência mais
prolongada e mais tenaz do laço que liga o Espírito e o corpo, porque esse laço
está quase sempre em todo o seu vigor no momento em que foi rompido, enquanto
na morte natural se enfraquece gradualmente e em geral até mesmo se desata
antes da extinção completa da vida. As consequências desse estado de coisas são
a prolongação da perturbação espírita, seguida da ilusão que, durante um tempo
mais ou menos longo, faz o Espírito acreditar que ainda se encontra no número
dos vivos.
A afinidade que persiste entre o
Espírito e o corpo produz, em alguns suicidas uma espécie de repercussão do
estado do corpo sobre o Espírito, que, assim, ressente malgrado seu, os efeitos
da decomposição, experimentando uma sensação cheia de angústia e horror. Esse
estado pode persistir tão longamente quanto tivesse de durar a vida que foi
interrompida. Esse efeito não é geral; mas em alguns casos o suicida não se
livra das consequências de sua falta de coragem e, cedo ou tarde, expia essa
falta, de uma ou de outra maneira. É assim que certos Espíritos, que
haviam sido muito infelizes na Terra, disseram haver se suicidado na existência
precedente e estar voluntariamente submetidos a novas provas, tentando
suportá-las com mais resignação. Em alguns, é uma espécie de apego à matéria,
da qual procuram inutilmente desembaraçar-se para se dirigirem a mundos melhores,
mas cujo acesso lhes é interditado. Na maioria, é o remorso de haverem feito
uma coisa inútil, da qual só provam decepções.
A religião, a moral, todas as
filosofias condenam o suicídio como contrário à lei natural. Todas nos dizem,
em princípio, que não se tem o direito de abreviar voluntariamente a vida. Mas
por que não se terá esse direito? Por que não se é livre de pôr um termo aos
próprios sofrimentos? Estava reservado ao Espiritismo demonstrar, pelo exemplo
dos que sucumbiram que o suicídio não é apenas uma falta como infração a uma
moral, consideração que pouco importa para certos indivíduos, mas um ato
estúpido, pois que nada ganha quem o pratica e até pelo contrário. Não é pela
teoria que ele nos ensina isso, mas pelos próprios fatos que coloca sob os
nossos olhos(1).
(1) 0 argumento espírita contra o
suicídio não é apenas moral, como se vê, mas também biológico, firmando-se no
princípio de ligação entre o Espírito e o corpo. A morte, como fenômeno
natural, tem as suas leis, que o Espiritismo revelou através de rigorosa investigação.
O sofrimento do suicida decorre do rompimento arbitrário dessas leis; é como
arrancar à força um fruto verde da árvore.
— As
estatísticas mostram que a incidência do suicídio é maior nos países e nas
épocas em que a ambição e o materialismo se acentuam, provocando mais abusos e
excitando preconceitos. A falta de organização social justa e de educação para
todos é causa de suicídios e crimes… se abolirdes os abusos da vossa sociedade
e os vossos preconceitos, não tereis mais suicídios.
BIBLIOGRAFIA. O
LIVRO DOS ESPÍRITOS.
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