0 LIVRO DOS ESPÍRITOS. PARTE
QUARTA. ESPERANÇAS E CONSOLAÇÕES. CAPÍTULO II. PENALIDADES E PRAZERES TERRENOS.
EXPIAÇÃO E ARREPENDIMENTO.
O
arrependimento se verifica no estado espiritual, mas pode também verificar-se no
estado corpóreo, quando bem compreendermos a distinção entre o bem e o
mal.
A consequência
do arrependimento no seu estado espiritual vem se o desejo
for uma nova encarnação para se purificar. O Espírito compreende as
imperfeições que o impedem de ser feliz e aspira a uma nova existência,
onde possa expiar as suas faltas.
A consequência
do arrependimento no estado corpóreo é adiantar-se ainda na vida presente, se
houver tempo para reparação das faltas. Quando a consciência reprova e
mostra uma imperfeição, sempre se pode melhorar.
Há seres
humanos que só possuem o instinto do mal, sendo inacessíveis ao arrependimento.
Mas devem progredir sem cessar.
Aquele que nesta vida só possui o instinto do mal, numa outra terá o do
bem, e é para isso que renasce muitas vezes, pois é necessário que
todos avancem e atinjam o alvo, uns com mais rapidez, e outros de maneira
mais demorada, segundo os seus desejos. Aquele que só tem o instinto do
bem já está purificado, porque pode ter tido o do mal numa existência
anterior.
O ser
humano perverso, que durante a vida não reconheceu suas faltas, sempre as reconhecerá
depois da morte. Sempre as reconhece e então sofre mais porque
sente todo o mal que praticou ou do qual foi à causa voluntária.
Entretanto, o arrependimento nem sempre é imediato. Há Espíritos que se
obstinam no mau caminho apesar dos sofrimentos, mas, cedo ou tarde,
reconhecerão haver tomado uma senda falsa e o arrependimento se
manifestará. É para esclarecê-los que os bons Espíritos trabalham e que
eles mesmos podem trabalhar.
Há
Espíritos que sem serem maus, sejam indiferentes à própria sorte. São os que
não se ocupam de nada útil: estão na expectativa.
Mas sofrem de acordo com a situação,
e como em tudo deve haver progresso, este se manifesta pela dor.
Têm eles o
desejo de abreviar seus sofrimentos, mas não dispõem de bastante energia para
querer o que os poderia aliviar. Quantas pessoas entre nós preferem morrer
na miséria a trabalhar.
Tem Espíritos
que veem o mal que resulta de suas imperfeições, e alguns agravam a sua posição
e prolongam o seu estado de inferioridade praticando o mal como Espírito e
desviam os seres do bom caminho.
São os de arrependimento tardio que
agem assim. O Espírito que se arrepende pode se deixar novamente arrastar ao
caminho do mal por outros Espíritos ainda mais atrasados.
Tem Espíritos
de notória interioridade que são acessíveis aos bons sentimentos e às preces
feitas em seu lavor. E tem outros Espíritos, que nos pareceriam mais
esclarecidos, revelam um endurecimento e um cinismo a toda prova.
A explicação é que a prece só tem
efeito em favor do Espírito que se arrepende. Aquele que, impulsionado
pelo orgulho, se revolta contra Deus e persiste nos seus erros,
exagerando-os ainda, como o fazem infelizes Espíritos, nada pode receber
da prece e nada receberá até o dia em que uma luz de arrependimento o
esclareça.
Comentário
de Kardec: Não
se deve esquecer que após a morte do corpo físico, o Espírito não é subitamente
transformado. Se sua vida foi repreensível é que ele era imperfeito. Ora, a
morte não o torna imediatamente perfeito. Ele pode persistir nos seus erros,
nas suas falsas opiniões, em seus preconceitos até que seja esclarecido pelo
estudo pela reflexão e pelo sofrimento.
A expiação
se realiza no estado corpóreo, através das provas a que o Espírito é
submetido, e na vida espiritual, pelos sofrimentos morais decorrentes do
seu estado de inferioridade.
Quanto ao arrependimento
sincero durante a vida se é suficiente para extinguir as faltas e fazer que se
mereça a graça de Deus. Podemos dizer que o arrependimento auxilia a melhora do
Espírito, mas o passado deve ser expiado.
Se um
criminoso dissesse que, tendo de expiar o passado, não precisa se arrepender,
as consequências para ele seriam:
Se teimar no pensamento do mal, sua
expiação será mais longa e mais penosa.
Podemos,
desde esta vida, resgatar as nossas faltas reparando-as. Mas não julguemos resgatá-las por
algumas privações pueris ou por meio de doações de após a morte, quando de
nada mais necessitamos. Deus não considera um arrependimento estéril,
sempre fácil e que só custa o trabalho de bater no peito. A perda de um
dedo, quando se presta um serviço, apaga maior número de faltas do que o
cilício suportado durante anos, sem outro objetivo que o bem de si
mesmo. O mal não é reparado senão pelo bem, e a reparação não tem
mérito algum se não atingir o ser humano no seu orgulho ou nos
interesses materiais. De que lhe serve restituir após a morte, como
justificativa, os bens mal adquiridos, que foram desfrutados em vida e já
não lhe servem para nada. De que lhe serve a privação de alguns gozos
fúteis e de algumas superfluidades, se o mal que fez a outrem continua o
mesmo. De que lhe serve, enfim, humilhar-se diante de Deus, se conserva o
seu orgulho diante dos seres humanos.
Não há
nenhum mérito em se assegurar, após a morte, um emprego útil para os bens que
deixamos.
Nenhum mérito não é bem o termo: isso
vale sempre mais do que nada; mas o mal é que aquele que dá ao morrer
geralmente é mais egoísta do que generoso; quer ter as honras do bem sem
lhe haver provado as penas. Aquele que se priva em vida tem duplo
proveito: o mérito do sacrifício e o prazer de ver felizes os que
beneficiou. Mas há sempre o egoísmo a dizer ao ser humano: O que dás tiras
dos teus próprios gozos. E como o egoísmo fala mais alto que o
desinteresse e a caridade, ele guarda em vez de dar, sob o pretexto das
suas necessidades e das exigências da sua posição. Ah! Lastimai aquele que
desconhece o prazer de dar, porque foi realmente deserdado de um dos mais
puros e suaves gozos do ser. Deus, submetendo-o à prova da fortuna, tão
escorregadia e perigosa para o seu futuro, quis dar-lhe em compensação à
ventura da generosidade, de que ele pode gozar neste mundo.
Aquele que
em artigo de morte reconhece as suas faltas, mas não tem tempo para repará-las, o arrependimento
apressa a sua reabilitação, mas não o absolve. Tem ele o futuro pela
frente, que jamais se lhe fecha.
BIBLIOGRAFIA: O
LIVRO DOS ESPÍRITOS.
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